terça-feira, dezembro 26, 2017

Manifesto por resenhas razoáveis

Escrever resenha não é comentar sobre o início do livro e dizer que é bom ou ruim. Em muitos casos não precisa mencionar a vida do autor do livro, ou como foi o processo de escrita.

Resenha é uma análise da obra. Da obra inteira, não apenas o começo. "Ah! Não quero falar sobre o final do livro para não estragar a surpresa de quem lê!" Então você quer escrever apenas uma propaganda, não uma resenha.

A resenha que aprendi a escrever na escola precisava conter resumo do livro - um resumo sem muitos detalhes, do contrário não é resumo, observações sobre a história e sua opinião baseada nas observações que fez.
Escrever resenha é argumentar, por isso aprendemos antes de fazer dissertações. Nas dissertações você tem tese, argumento, conclusão. Em resenhas não há teses a serem defendidas, a tese é trocada por exposição. Então você expõe a obra, argumenta com suas observações, e conclui com sua opinião.

A internet está cheia de resenhas de livros com exposições parcas, opiniões pessoais até demais - sem muita lógica, e conclusões ao sabor do vento. O povo ainda dá nota pros livros! Eu só coloco estrelinha no site da Amazon, pois sem isso não se pode publicar. Não sou professora nem crítica profissional para distribuir nota. Não crio método de avaliação para julgar o que leio.

O fato é que na internet são poucos os que se dão ao trabalho de analisar profundamente, opinar com argumentos. Espero estar entre os poucos que escrevem boas resenhas, mesmo sempre destacando os pontos positivos dos livros que leio.


Que cada vez que eu publique "O LIVRO DA VEZ É" exista uma resenha razoável (cheia de razão) e não uma mera propaganda. 

domingo, dezembro 17, 2017

O LIVRO DA VEZ É O Jogo do Equilíbrio, de Ana Lúcia Merege


Atenção jogadores de RPG medieval sem experiência! Esse livro é para vocês! Acompanhem a vida de um artista medieval por um dia. Não um artista qualquer, mas um mestre em sete artes que parou de rodar o mundo como saltimbanco para criar seu filho de três anos.

Cyprien vive em Pwilrie e deixou de viajar mas não deixou de ser saltimbanco, ganha a vida entretendo a cidade. Nas horas vagas namora uma exuberante dançarina e ensina contorcionismo a seu filho. Ele é contorcionista, malabarista, músico, comediante, faz teatro com fantoches e é equilibrista.

Nosso personagem principal não é exemplo de homem medieval, mas exemplo de cidadão para os dias de hoje. Vive uma relação de amigado com a namorada - a qual todos no bairro consideram sua esposa, exceto ela mesma. Ele faz o trabalho doméstico da casa e ela lava suas roupas. Contrariando os costumes medievais ele tem a audácia de tomar banho todos os dias, e está educando o filho no mesmo caminho. Seu filho não é fruto do relacionamento com a atual namorada, Cyprien é viúvo. Nosso herói não bate em mulher, não educa o filho batendo, é a simpatia em pessoa (como todo artista deve ser), e bem esperto – como todo pobre precisa ser.

Começa o dia com um galo na cabeça, um problema com a namorada e uma grande dívida para pagar; termina comemorando com os amigos o sucesso do espetáculo apresentado na inauguração do relógio da cidade. No meio de tudo ainda disciplina o filho que resolveu emburrar com a comida, além de se livrar de uma briga e de morrer caindo da corda.

O livro é um retrato medieval das pequenas batalhas que uma pessoa comum vence ao longo do dia, para acordar no dia seguinte e resolver novos problemas. Uma prova de que nosso cotidiano heroico vem de épocas remotas. Alô criançada! A vida adulta te espera com um divertido jogo de equilíbrio.

sábado, novembro 11, 2017

Apresentação Poética (e patética)

Não vim recitar o quanto o sistema é injusto comigo
O sistema é injusto com todo mundo, amigo
Até ministra dos direitos humanos reivindica salário acima de 61 mil
Mostra a tua cara, Brasil

Poeta sem gênero? Modernidade
Pra isso não tenho idade
Até a gramática reformar
Essa língua que me batiza
Faço verso escrevo rima
Sigo sendo poetisa

Eu moro ao lado da pobreza
Manchetes sangrentas, tragédia e tristeza
Bailes até o domingo nascer
Muitos nem dormiram, acordo pra correr
Zona Sul, Parque Jabaquara
Perto da estação rodoviária
Não vou pro litoral, pra praia
Não voo mesmo sem neblina
O avião me passa por cima
Caminho até São Judas
Em causas impossíveis ele ajuda
Gasto menos de trinta minutos
Já Santo Expedito, de causas urgentes
Levo a manhã inteira caminhando alegremente
Pagar promessa? Não
Junto-me aos peregrinos por diversão

A periferia tem um jardim diferencial
Botânico, vizinho ao zoológico animal
Atrai pássaros, noivos e grávidas
Promove corridas em manhãs ensolaradas
Dentre os parques possui ímpar beleza
A nascente do rio Ipiranga protegida pela natureza
Cobra entrada mas não chega aos pés
Do quanto se paga pra ver chimpanzés

Ando com a alta sociedade
No parque mais famoso da cidade
Chego de ônibus, mochila e chapéu
Reparo nas árvores, reparo no céu
Ciclista, patinador, esqueitista
Caminhante, corredor, pra todos tem pista
Está logo ali, é meu e já era
Ele é alto nível, é Ibirapuera

Não sou negra nem tenho cabelo duro
Sou branca feito papel, de olho e cabelo escuro
Corro de alisamento e tintura
Quero cultivar meus cachos até a cintura
Mulher alta pra mim tem no mínimo um e setenta
Por três centímetros nunca tive vocação pra modelo
Ainda assim andar reta é um pesadelo
Com tantas setas apontando minha pequenez
Um bom tempo andei olhando o chão
Lá estava minha auto estima: no pé,  no dedão
Faz tempo ela subiu, veio pro coração
Criou raiz, daqui não sai não

Não fui criada pra casar e ter filhos
Nem atingir metas de sucesso sem fim
Busco me sustentar, cuidar de mim
Quando não tenho par ando sozinha sim
Há quem viaje o mundo feito maluco
O lugar mais longe em que estive foi Pernambuco
Antes de invejar sua longa, sábia e sofrida vida
Me encanto com sua história e silencio aturdida
Com o pouco que vivo, o nada que sei
Os bens que não junto, a alegria que espalhei

Sou a parte mais branca do navio negreiro
Não busco fama nem dinheiro
Me dispo da vaidade, não busco nem liberdade
Quero estar em harmonia, contribuir com o meio
Não me revolto contra as regras, me adapto
Depois questiono
Se houver um depois
Essa vida de assalariado explorado
Classe média pagando pro sistema inteiro
Benefício? Nenhum
Sonha com viagem pra Cancun
Ou pra Disney, pra Europa
Se endivida e banca o sonho
Recorda por dez meses pagando risonho

Não aceito essa programação
Quero ampliar minha visão
Sem invejar meu irmão
Sei que sou mais uma na multidão
De paulistanos, de peregrinos, trabalhadores
De voluntários, de esportistas, de escritores
Produzindo abobrinhas num sítio virtual
Poetizando toda experiência sensorial
Pra entrar no sarau sabendo muito bem
Entre famosos e importantes estou bem aquém
Sou uma pedrinha invisível, sou quase ninguém.

sábado, setembro 23, 2017

sábado, setembro 16, 2017

Patologia

Patologia é o estudo dos patos.
Por exemplo: um pato que raciocina matematicamente é um patológico.

sábado, setembro 09, 2017

A COURAÇA

Em minha volta proteções
impedem doenças e sensações
me tornam invencível
me tornam insensível
a negativos costumes
a enjoativos perfumes

Liberta de amarras e feliz
nada me sufoca o nariz
nada que aspiro sobe a mente
numa dor de cabeça latente

Quando fico mal é incrível
as sensações vêm de forma horrível
cheiros e perfumes meu espaço invadem
e procuro ansiosa alguma passagem
para sair do lugar, libertar minha vida
desintoxicar, respirar decidida

Criada envolta a poluição
sempre foi necessária a proteção
de cheiro e gosto impactante
porque vivo num monstro mutante
que não permite suavidade
uma selva de pedra bruta
que chamam de cidade
abrigando egos miúdos
que não pensam na coletividade

Sofrem pele, ouvido, pulmão
incha a cabeça, desnorteia o coração
acelerada ansiedade estressa a mente
sou grata à couraça criada internamente
e ao caleidoscópio que tomei por lente
pra seguir em frente num viver decente.

terça-feira, agosto 01, 2017

sábado, julho 15, 2017

Consolo de verdade


Se a carne é fraca
corra para os verdes
viva o verde
cheio de agrotóxico
mutante, transgênico
silencioso e persistente
a verdadeira fonte dos remédios
a perfumada fonte das drogas
florindo enquanto os defuntos descansam.

-*-

Monsanto's real desolated consolation
(versão de Marco Antônio Adade)


If the meat is weak
Run to the green fields of grass
Live in the green blades of grass

Full of pesticides
Mutant, transgenic
Run to the green fields of grass
Live in the green blades of grass

Silent and persistente
The true source of legal drugs
Run to the green fields of grass
Live in the green blades of grass

The perfumed source of illegal drugs
Blooming while the dead rest
and us?
Ruminate on...

domingo, junho 25, 2017

O LIVRO DA VEZ É Mistborn – O império final, de Brandon Sanderson

Depois de anos longe, eis que volto ao gênero fantasia para respirar além da estratosfera. O curioso é que peguei o livro por engano: queria pesquisar sobre o título e acabei baixando pela Amazon quando ela ofereceu um livro gratuito aos paulistanos esse ano. Minha intenção inicial seria levar o clássico Laranja Mecânica, sobre o qual não posso opinar muito já que sequer li algum resumo ou resenha pela internet nem assisti ao filme. Porém posso dizer que Mistborn foi uma ótima escolha, proporcionou uma surpreendente distração fantástica.

O ponto central do livro é: o que acontece quando o herói fracassa? No início de cada capítulo, trechos de uma história complementar à que é contada linearmente. Nesses trechos e durante a história você tenta desvendar quem é o herói, se ele fracassou mesmo, o que aconteceu para as situações estarem do jeito que são no início da trama.

Você será apresentado a um mundo onde as plantas têm folhas marrons, cinzas caem do céu durante todo o dia, o sol é vermelho. Há skaas - os escravos, nobres, ladrões, agentes do governo e o Senhor Soberano, que não é apenas um governante que tem posse dos skaas, mas um Deus imortal.

A nobreza paga impostos ao Senhor Soberano pelo uso dos skaas, mas pode fazer o que bem entender com esses trabalhadores, inclusive matá-los indiscriminadamente. Skaas podem tornar-se artesãos, mas é a nobreza que detém os meios de produção e gere o comércio. O Senhor Soberano preocupa-se apenas em manter-se no poder, ele pode de fato matar muitos com gestos simples, mas pensa apenas em si mesmo enquanto acredita estar livrando o Império Final de um mal maior.

Que mal maior seria esse? O que existia antes da ascenção do Senhor Soberano? Essas questões talvez sejam respondidas no segundo livro da trilogia. Talvez. Caso o leitor goste muito desse universo fantástico há ainda uma segunda trilogia se passando nele. - Como todo ser criativo, escritores de fantasia não têm limites e exploram suas criações majestosamente para alegria de seus fãs.

Por ser um livro de fantasia não poderia faltar magia. Ela é explicada ao longo do livro, conforme a segunda protagonista descobre seus poderes. A magia vem dos metais, quem os utiliza são alomânticos. Cada metal faz algo diferente, felizmente não precisamos saber toda a tabela periódica de química: os alomânticos trabalham com dez metais, um deles é o fictício atium.

Segunda protagonista? Quem é o primeiro? - Kelsier, sobrevivente das minas de Hatsim, líder de um bando de ladrões. Carismático, confia nas pessoas e sorri para confrontar os poderosos. A segunda protagonista é Vin, uma ladra, sobrevivente das ruas, que teme ser abandonada por quem ama e por isso desconfia até da sombra. Ela aprenderá com Kelsier o que é ser uma Nascida das Brumas e utilizar todos os metais. Há pessoas que usam apenas um metal, e a gangue de Kelsier tem vários especialistas desse tipo, que ensinam Vin no momento apropriado.

O que nosso ladrão protagonista faz? Compra a ideia de derrubar o Senhor Soberano do poder e ao longo da história convence sua gangue a fazer o mesmo. Loucura? Somente pessoas de valor são capazes de abraçar tais ideais.

Para as meninas há romance, intrigas políticas, coisas da nobreza. Porém a segunda protagonista está longe de ser uma princesa: nossa ladra torna-se uma espiã na nobreza. Vin tem dezesseis anos e ao longo da história completa dezessete, é uma sofrida adolescente que mal conhece o amor, e como toda adolescente ela se apaixona. Vive um romance estranho com o excêntrico Elend, herdeiro da casa nobre mais rica do reino. Ele prefere ler a participar dos frequentes bailes da corte, não quer entrar no jogo político da nobreza, seu principal propósito de vida é desagradar ao pai, cultiva com amigos ideias revolucionárias mas nunca tomou atitudes de fato. Elend e Vin amadurecem, cada um a seu tempo. Obviamente, por tratar-se da segunda protagonista, acompanha-se mais o desenvolvimento de Vin.

Um final feliz aguarda quem se atrever a desvendar as páginas de Mistborn – O Império Final. Até chegar nele muitos planos, fracassos e reviravoltas. Um emocionante início para uma trilogia fantástica.

segunda-feira, junho 12, 2017

Viver sem AMOR


Para que você que insiste em passar o dia dos namorados sem, saiba que AMOR não é tudo na vida. Existem coisas que valem mais do que AMOR.
Um exemplo é Paçoquita de Aveia.

sábado, maio 20, 2017

Por aqui

Cada um sabe a que veio
quem não quer encontra desculpa
quem quer encontra meio

Entre tempo e prioridade
teu mal é vontade.

sábado, maio 13, 2017

Fale comigo

A baleia azul assusta, você entra na modinha e publica no Face: estou disponível para conversas, se não quiser falar comigo toma o número do CVV, me importo com quem sofre. Será?
Você compartilha fotos, piadas, sua vida é um comercial de pasta de dente com licença para raras manifestações políticas. Sua família tem tudo para estrelar comercial de margarina. Você se importa realmente com quem sofre?
Pouquíssimos leem textos grandes, e é neles, senhores, que vocês encontrarão as verdadeiras opiniões, os desabafos de um espírito angustiado. Porque antes do pedido de socorro vem o desabafo.
Quem quer desvendar as amarguras do próximo num longo texto? Se você está disposto a ajudar, precisa se interessar pelo outro, ler suas entrelinhas, não apenas acenar dizendo "Pode me procurar". Quem vai procurar ajuda com pessoas que pouco se importam com suas ideias, o que dirá com seus sentimentos?
Não leve uma vida em busca de fotos bonitas, curtidas e compartilhamentos. Busque se envolver mais com as pessoas, saber o que pensam, do que gostam, o que fazem no tempo livre; esqueça o celular nos almoços de domingo, esteja verdadeiramente presente (corpo e mente) nas reuniões entre amigos. Convivendo dessa maneira é que se combate suicídio, depressão, melancolia... toda forma de tristeza, até tédio.
Você está disposto a conversar?

sábado, maio 06, 2017

Para ter olhos de caleidoscópio

(poema escrito em parceria com Guilherme Castanheira)

Recolha os cacos dos seus fracassos
as partes ruins dos dias opacos
tudo que te machuca
tudo que te assusta
jogue nos olhos sem anestesia
sem avisar, sem bater, sem cortesia
o sangue que se vê no processo deixa o mundo
rosa...
é, eu sei, é cruel essa vida nossa,
mas a tristeza não precisa ser cinza
ela é tão bonita

Não julgue
não tente entender
é arte em toda parte
em tudo que se consegue ver

O colorido de tudo que deu errado
um mix de tudo que estragou, lhe foi negado
com uma nesga do momento presente
refletidos no espelho do ego
cêntrico
côncavo
onde o id psicodélico
traduz pro cérebro
toda beleza de um mundo absurdo

O céu é azul
as plantas são verdes
o sol eu não sei porque quando olhei o olho
doeu
o olho do eu
o olho doeu.

sexta-feira, abril 21, 2017

Sobre cavalheirismo

No sábado voltava de ônibus para casa com uma sacola de supermercado – comprei por impulso uma fôrma de silicone, a primeira desse tipo a ser levada para casa. Um bonitinho me oferece lugar. Arregalo os olhos e digo que não, não preciso. Minha sacola estava volumosa porque além da fôrma de bolo tinha uma blusa de frio, mas nada pesada. O ônibus não estava cheio a ponto do volume da sacola incomodar, e se a sacola incomodasse era só se oferecer pra segurar a sacola, não precisava oferecer o lugar. Um absurdo espantoso essa oferta.
No ponto seguinte a passageira da janela desce, eu sento. Passados três minutos pergunto ao rapaz de vinte e poucos (deveria ter essa idade ou menos, teclava no celular usando os dois polegares) se ele havia me oferecido lugar porque achou que eu estivesse grávida. Ele respondeu que não, que me ofereceu porque eu era mulher e talvez estivesse voltando cansada do trabalho. Disse que normalmente oferece lugar pras mulheres. Fiquei feliz em saber que não pareço grávida, não estou tão gorda a ponto de parecer. Disse ao moço que não voltava do trabalho.
Eis minha reação quando me oferecem lugar no transporte público: recusar desesperadamente porque não estou grávida, não carrego criança de colo, não tenho deficiência física, não quebrei nenhum osso, não tenho mais de sessenta anos. Enfim, recusar porque não preciso. Mas a primeira coisa que me vem na cabeça com uma oferta de lugar é que a pessoa me achou tão gorda que pensa que estou grávida. Não vejo uma gentileza, vejo uma ofensa.
Mulher não precisa viajar sentada simplesmente por ser mulher, porque o fulaninho a achou bonita e quer ceder o lugar. Precisa viajar sentado quem tem algum problema físico, ou se acidentou e tem problema de mobilidade, ou sofre com o peso dos anos, ou com o peso de mais alguém. Tantos motivos mais sensatos para ceder lugar e os cavalheiros cedem às damas porque elas são mulheres. Isso não me passa, não sou tão frágil a ponto de precisar de lugar.
Para alegria do moço, não falei a ele o que penso sobre o ato de cavalheirismo. Depois que desci do ônibus reparei que o que incomoda mesmo é o preconceito por trás da gentileza. Quem se acostuma com as coisas do jeito que são, não se importa, até acha bom; mas quem questiona os bons costumes acha o mundo cada vez mais estranho e sem lógica. O mundo é maluco. E olha, eu não sou daqui.

sexta-feira, abril 14, 2017

Celular necessário

Sob a música tema de Mogli, lá estava a propaganda do novo smartphone da LG cuja promessa é possuir somente o necessário. A campanha diz que “Inteligente é ter o que precisa”. Que proposta infeliz!
Segundo a marca os consumidores precisam de uma câmera traseira com capacidade de 13 megapixels, a frontal contendo 5 megapixels, ambas com foco angular (o que raios isso significa?), memória interna de 32 GB, 2 GB de memória RAM, tela de 5,3 polegadas; condensados em 7,5 cm de largura por 14,8 cm de altura, além de 8 mm de espessura, pesando 138 gramas. Você precisa de um celular sistema operacional de última linha, processador Octa-Core – que na verdade são 2 processadores, leve, com muita memória para… Tirar foto. Assistir filmes e séries na tela que deixou de ser pequena há muito tempo, navegar na internet, usar redes sociais, jogar. Se você tiver um perfil menos multimídia também pode ler arquivos em PDF, baixar um leitor de e-book e fazer a festa, baixar a suíte gratuita do Office para visualizar e criar documentos com as mesmas qualidades que utiliza no computador – com algumas limitações no tocante a edição, mas o formato salvo é igual ao do computador, não é necessário adaptar nada ao mudar o documento de aparelho.
O samrtphone é de fato um mini computador. Com a vantagem de pegar rádio e fazer ligações. Não há outro aparelho que contenha ainda essas duas esquecidas funções na era do Spotify e da chamada de vídeo pelo Whatsapp. Acesso a internet resolve tudo, mas quando o acesso falha e precisamos buscar alternativas, lá estão elas.
Será que esse novo celular contém o que se considera necessário? O ponto é: se você já está bem com o que possui, não se sente limitado quanto ao espaço de memória, não vê problemas no sistema operacional, não sentiu falta de nitidez nas fotos que tira, por quê comprar um novo modelo? Você pode ficar satisfeito com um aparelho que ofereça bem menos do que o celular da propaganda. Há seres iluminados que vivem com celular que não acessa internet e são ótimas pessoas: mantêm-se longe da fissura por redes sociais.
“Inteligente é ter o que precisa” porque a marca sabe que existem smartphones com mais recursos fabricados pelas concorrentes. O público-alvo dessa propaganda são pessoas que não querem de fato a última tecnologia do momento, mas querem algo bom. Não querem ostentar um celular top de linha, contentam-se com um que possua bons recursos. Alguém que ache que o melhor mesmo é consumir de forma consciente, levar apenas o que precisa, de acordo com suas necessidades.
Porém não é porque uma propaganda diz que o necessário para viver bem é o bendito celular que todos devem comprá-lo. O necessário para viver bem não é dito por propagandas, livros de auto-ajuda, livros em geral, programas de televisão, vídeos no Youtube da vida, revistas, jornais, palestras, religiões, filosofias, políticas, sistemas, doutrinas… o necessário para viver bem é algo que cada um sabe no seu íntimo. Sem contar que as necessidades mudam durante a vida.
Quem precisa de um celular novo?

segunda-feira, abril 03, 2017

Extremamente estranhos

Eles vieram pequenos, minúsculos. Eram relativamente independentes, faziam comida com o lixo que encontravam, com o que havia de mais abundante. Primeiro tomaram os oceanos. Alguns continuam lá, mas não em águas muito profundas.
Depois avançaram para a terra. Primeiro se associando a decompositores igualmente pequenos e cheios de água. Depois que se acostumaram com a relativa secura, começaram a se disseminar por esporos. Eram exploradores pioneiros, exploravam lugares nunca antes habitados. Nessa segunda fase ainda eram pequenos, mas tentavam expandir suas fronteiras pelo ar.
Querem dominar o planeta. Cresceram, hoje reproduzem-se com ajuda de animais ou do vento, mas há os que ainda conseguem clonar a si mesmos como quando se reproduziam por esporos, não descartaram nenhuma de suas fases evolutivas.
Há os que vivem por meses, outros apenas alguns anos, os que suportam décadas e os que atravessam séculos de existência. Sob áridas dificuldades, já que a vida no planeta Terra nunca foi fácil.
Alguns desses seres multicoloridos já foram mistificados: houve um tempo em que se acreditava que seres mitológicos entrelaçavam suas vidas a eles. Eram protegidos por superstição.
Pelo fato da maioria iniciar a vida e aprofundar-se nas entranhas da terra e ao mesmo tempo se expandir rumo ao céu, sendo que alguns conseguem atingir grandes alturas, simbolizam a transformação do que é terreno, mundano, em algo celeste, mais puro de sentimentos. Representam essa transição.
Purificam o ambiente em que vivem, geralmente são os primeiros a sentirem mudanças ambientais. Regeneram-se sozinhos, se reproduzem até de forma assexuada, têm as mais variadas cores e formas. Têm tudo para serem extraterrestres mas na verdade estão no planeta há muito mais tempo do que a raça humana: são indivíduos do reino Plantae.

quarta-feira, março 29, 2017

Flor da alegria

Entro no elevador e encontro uma amiga. Mostro toda feliz a florzinha amarela bem perfumada que ganhei na hora do almoço, distribuída num evento para os funcionários.
Grampeado ao saquinho vai um folheto contra a dengue, pois a planta repele insetos.
Minha amiga pergunta o nome da flor. Abro um sorriso enorme e digo cheia de orgulho: Cravo de Defunto.
Originária do México, muito utilizada nas festas do Dia dos Mortos. Me entregaram sob o nome científico de Tagetes, e ela também é conhecida como Cravo Francês.
Entretanto no popular nacional não disfarço, não me envergonho, ela é o que é: um alegre, amarelo e perfumado Cravo de Defunto.

terça-feira, março 21, 2017

Um novo tempo, apesar dos castigos

Dia 20 de março começou o outono, as temperaturas do dia começaram a esfriar.
Imagine com esse clima encharcar os pés duas vezes por semana e continuar com eles molhados, sem enxugar. Sentiria muito frio, não? O pior é que você não pode reclamar ou bater em quem te molha, pode apenas sofrer e definhar.
Isso é o que minha amiga Violeta sentiria se molhasse seu vaso hoje. Muita gente esquece que planta não é objeto, é um ser vivo. Mal interage com a gente ou consegue se comunicar, mas está vivo, cresce, respira.
Nessa e na próxima estação, faça um bem às violetas da janela: molhe seus pés apenas uma vez por semana. Deixe para aumentar as regas na primavera, quando o calor voltar com fervor.
No vai e vem das estações, cuide dos queridos seres multicoloridos e clorofilados com água, adubo, poda, atenção e amor.

sábado, março 04, 2017

Visão de Capim Limão

Em meio a alva e dourada paisagem
no fundo de duas covas verdeja a folhagem
exalando perfume cítrico natural
capim limão em duas mudas sem igual

A planta adora o sol matutino
que consigo arrasta um céu repentino
fervilhado de cores contrastantes:
vermelhos, azuis, laranjas e roxos gritantes

A colorida sinfonia em profusão
desperta o fino capim limão
que em seu verde meio amarelado
recebe o sereno do dia com bom grado

O sol em seu caminho pode estourar
castigar a relva, esturricar
há sempre de voltar pleno
cheio de cor e sereno
na luz que o capim limão tão bem traduz
em alegria e calmaria
pra começar e terminar o dia.

terça-feira, fevereiro 28, 2017

Quarteto Maravilha - Noiva

O TEMPO ESTAVA BOM. Naquela noite ela usou três rolos de papel higiênico no vestido e meio maço de papel crepom nas flores que coroavam sua cabeça e enfeitavam a roupa. Não havia previsão de chuva, ela parecia noiva mas o quarteto maravilha combinou sair de palhacinha: nariz vermelho pra todo mundo.
Por mais vagabunda que seja, uma garrafa de vinho faz milagres. Principalmente nos neurônios de quatro adolescentes. As palhacinhas da praia eram só risos, mesmo duas delas detestando o que tocava, todas dançavam atrás do trio elétrico. Na animação foram parar no bloco gay, onde pulavam os mais fantasiados.
Uma mulher maravilha bizarra solta a franga chamando atenção de todos. A noiva ficou paralisada por alguns instantes antes de entrar na roda e dar-lhe uma bofetada. Mulher maravilha revidou, antes da briga engrossar, as palhacinhas e a turma do deixa disso separou.
Ânimos acalmados, palhacinhas espantadas, noiva chorando calada, mulher maravilha grita enfezada. - Suas notas tiraram seu direito de pular carnaval esse ano. Você vai pra casa. Uma semana de castigo. E não discuta comigo! Mulher maravilha era o pai da noiva, que levou a menina pelos cabelos ao lar, com bons beliscões no caminho.
O castigo de uma semana esticou: a noiva ficou muda, não falou nada com ninguém por mais de mês. Teve depressão e frequentou terapia dois anos até voltar a dialogar. A revelação: vira a mulher maravilha abraçando um homem num caloroso beijo antes da confusão.

segunda-feira, fevereiro 27, 2017

Quarteto Maravilha - Torcedora

MASSA! Naquela noite ela tirou do fundo do baú o chapéu verde amarelo de guiso nas pontas, pra acompanhar a camisa 10 da seleção. O jogo verde amarelo passou pelas unhas e chegou nas meias: uma de cada cor. Parecia pronta pra a copa do mundo, mas o quarteto maravilha combinou sair de palhacinha: nariz vermelho pra todo mundo.
Por mais vagabunda que seja, uma garrafa de vinho faz milagres. Principalmente nos neurônios de quatro adolescentes. As palhacinhas da praia eram só risos, mesmo duas delas detestando o que tocava, todas dançavam atrás do trio elétrico.
Uma encontra um, ela teve fome e chamou as outras palhacinhas para a barraca de pastel. Onde o filho mais novo do dono fritava o melhor pastel do mundo nos feriados e fins de semana. Ela nunca dizia nada muito além de "Quero um pastel de pizza", mas batia cartão ali há mais de mês por causa do ótimo atendimento. O moreno franzino sorria ao entregar seu pedido - ele sorria pra todo mundo, observavam as amigas.
Barraca movimentada, sem o menor senso a torcedora resolve alugar o rapaz - Trabalhando desde que horas? Entrei ás treze. Carnaval puxado, não? Sempre... nem vejo a hora de fechar. Tem hora certa pra fechar? Quem dera... Atendeu outro freguês e voltou pra contar toda labuta daqueles dias de feriado. Ela escutava encantada, ele narrava triunfante - sentia-se O Sobrevivente.
O irmão mais velho cortou o papo dos dois pedindo pro garoto buscar mais massa de pastel, estava acabando. Ela se ofereceu pra acompanhar, duas pessoas carregam mais que uma. Dez minutos após saírem, o irmão mais velho lembra onde guardara a massa extra e toca o serviço normalmente. Ao perguntarem pra torcedora sobre o carnaval passado, ela sorri de lado - Foi massa!

domingo, fevereiro 26, 2017

Quarteto Maravilha - Mímica

AND AFTER ALL... Naquela noite ela realçou a pálida face pintando olhos e lábios de preto. Clássica calça preta, vestiu a camiseta do Oasis e calçou coturno. Parecia gótica, mas o quarteto maravilha combinou sair de palhacinha: nariz vermelho pra todo mundo. Ela se fez mímica.
Por mais vagabunda que seja, uma garrafa de vinho faz milagres. Principalmente nos neurônios de quatro adolescentes. As palhacinhas da praia eram só risos, mesmo duas delas detestando o que tocava, todas dançavam atrás do trio elétrico.
Uma encontra um, outra encontra outro, ela bebia, pulava, e não achava graça em nada. Cadê a alcóolica tontura que faria ela esquecer aquela musical tortura? Por sua causa, meia garrafa de vinho desapareceu e nada interessante aconteceu. A palhaça amiga que acompanhava mal bebia e pulava animada. Nossa mímica não se conformava.
Resolveram sair da agitação, na calmaria da areia encontraram um luau. Cantando Legião Urbana,Capital Inicial e rock em geral, elas sentiam-se em casa. Passava o tempo e mais gente chegava. Com cerveja, wisky, vodca, Xiboquinha, tudo passando na roda com salgadinhos gelados sobrados da festa de alguém.
De tanto cantar, tanto pedir, cai na sua mão o violão. Começa com Oasis. Mesmo bêbada a mímica toca super bem. Naquela altura do campeonato, quem não estava bêbado também? A careta da roda era a palhacinha acompanhante, ali ela fazia pose de cantora de churrascaria. A mímica tocaria muito aquela noite se no meio da música o cara ao lado não acendesse um baseado. A fumaça chegou, ela vomitou. Antes fosse chão, ela acertou o violão.
Arrastada para casa antes de pedirem que limpasse a sujeira com a própria camiseta, fora salva pela palhacinha careta. Terminara sua última noite de carnaval. Beijou o rosto da mãe pouco antes de entrar na ducha fria - YOU'RE MY WONDERWORLD.

sábado, fevereiro 25, 2017

Quarteto Maravilha - Fada

Em comemoração ao carnaval, publico contos carnavalescos.
São frutos de um carnaval que nunca existiu na década de 1990. Frutos de uma mente adolescente que sonhava em ser atriz, e talvez ver essa série em curta metragem. Sonhar baixo pra quê?
A onda da realidade veio, e derrubou este e outros tantos castelos de areia que me diverti criando.
Hoje publico com alegria o primeiro dos quatro contos do Quarteto Maravilha.
Divirtam-se com minhas palhacinhas preferidas!

Fada
GUARDA FEITO SONHO. Naquela noite ela colocou tanta purpurina no olho que ficou parecendo asa de borboleta. Pintou os lábios de rosa choque, mini saia rodada estilo Rouge com uma calça justa por baixo, sapato estilo boneca, cortou as mangas de uma camiseta manchada e foi atrás do trio elétrico. Parecia fada, mas o quarteto maravilha combinou sair de palhacinha: nariz vermelho pra todo mundo.
Por mais vagabunda que seja, uma garrafa de vinho faz milagres. Principalmente nos neurônios de quatro adolescentes. As palhacinhas da praia eram só risos, mesmo duas delas detestando o que tocava, todas dançavam.
Uma encontra um, outra encontra outro, a terceira vai pra casa depois de vomitar, eis que nossa palhaça decide voltar pra avenida e dançar sozinha. Era mais de meia noite, tocava Sandy & Júnior, VAMO PULÁ! Só um par sóbrio de olhos azuis prende essa alegria borbulhante. Pediu: dança comigo? Livre dos efeitos do vinho ela aceitou, e foram dançar longe da rua, perto do mar. Onde ela fechou os olhos e voou com aqueles olhos azuis num toque mágico.
De volta pra terra ele quis nome, telefone, pra encontrar de novo aquela fada sem asa. Mas ela acordou primeiro pro fato de que aquilo tudo não existia, era só fantasia. Claro que não foi mal, era última noite de carnaval. O que mais queria era aproveitar a fantasia sem arrastar um sonho pra vida real. Tirou o nariz de palhaço e deixou o rapaz tristonho; antes de sumir no mar - Guarda feito sonho.

sábado, fevereiro 18, 2017

Guerreiras de Sinjar

Sinjar é uma região que fica no noroeste do Iraque. Em 2014 o Estado Islâmico a invadiu e atacou brutalmente as mulheres curdas que viviam lá. Para se vingar, algumas sobreviventes juntaram-se a uma milícia curda e acamparam nas montanhas de Sinjar, de onde tentam derrubar o Estado Islâmico. A milícia é composta por mulheres da Turquia, Síria e Iraque; tenta expulsar os invasores das terras tradicionalmente curdas. Mulheres de Sinjar já lutavam antes, 2014 foi o ponto alto que as motivou a se engajarem mais.
Na guerra nenhum lado está certo. Não é certo matar outra pessoa, não importa o motivo que se alegue. O problema é que ambos os lados da guerra acreditam que matam seus semelhantes em legítima defesa.
Porém o Estado Islâmico não vê mulheres como semelhantes, não vê quase ninguém como seu semelhante devido a tamanha brutalidade que adquiriu a título de defender seu Deus e sua religião. Os brutos não entendem a linguagem do amor, do perdão, da compreensão; não entendem nada fora de sua linha de raciocínio. Quando podem, matam quem os contraria. Como dialogar com brutos é difícil, para falar a mesma língua deles as guerreiras de Sinjar pegam em armas e os tratam com a mesma ferocidade que o Estado Islâmico dispensa a mulheres.
Os soldados do Estado Islâmico mortos pelas guerreiras vão direto para o inferno. Segundo a crença dos radicais, mulheres são seres inferiores que devem servir e viver escravizados; quem morre nas mãos de um ser tão baixo e insignificante não merece o paraíso. Enquanto que os que se explodem de livre e espontânea vontade têm lugar garantido no céu. Será que os soldados do Estado Islâmico já questionaram as formas como dizem que é necessário defender seu Deus e sua religião? Questionaram a lógica “boa” e “justa” que os fazem viver?
As guerreiras de Sinjar, embora estejam se vingando, defendem suas casas e famílias – como toda pessoa de bem deve fazer. No caso delas não há meios pacíficos de se defender, elas só existem porque foram despertadas pelos invasores.
Deve-se perguntar quando o Estado Islâmico reconhecerá que copia as estúpidas cruzadas e inquisições que a igreja católica fez durante a idade média. Perguntar se já perceberam a semelhança e orgulham-se dos horrores que praticam – isso é assustador.
Infelizmente, por hora o Estado Islâmico faz o ocidente apoiar as assassinas de Sinjar.

sábado, fevereiro 11, 2017

Olhos de Esmeralda

Mágicos olhos de esmeralda
são verdes, acabaram de nascer
sem preconceito, tudo é novidade
tudo é possibilidade, sem maldade
visão celestialmente pura
ninguém segura
a certeza de um espírito livre
lacrado sob duas esmeraldas.


P.S.: Lembrança do carnaval de 2010.

terça-feira, janeiro 17, 2017

sábado, janeiro 14, 2017

Águas de São Pedro


Como já havia pago a última pousada e estava morrendo de saudades do grupo, fui para Águas de São Pedro espera-los na Casa de Santiago.
Acordei 4 da manhã, além de colocar muitas coisas na mochila no dia da saída (hoje tinham remédios, coisas para os curativos do pulso e protetor solar fator 70), precisava preparar meu café. Meu café da manhã foi e geralmente é simples: um copo de leite frio, 5 bolachas de maisena hoje com purê de maçã (lembra do Apfelmuss? Acabou hoje.) e uma banana. Logo que entro na cozinha começo o dia tomando remédio e colocando água e pó na cafeteira. Quando acordo primeiro faço meio litro de café para meus pais tomarem, eu não bebo nada. Hoje tinha sobra do suco natural de ontem: abacaxi, hortelã e limão.
Meu pai me levou ao metro, tomei ônibus às 6h30. 9h20 o grupo se perde numa colina e pede socorro pelo Whatsapp. Nessa hora acabo de desembarcar em Águas de São Pedro e sugiro procurar rota para a cidade no Google Maps. Felizmente quem os ajudou mesmo foi Palma.
10h chego no horto Casa de Santiago e não encontro ninguém. Abri o portão, entrei com os visitantes, vasculhei o parque e o altar com Santiago e São Francisco. Minha ideia era esperar o grupo, mas Palma sugeriu encontra-los no caminho e James, voluntário desde novembro de 2015, me levou de carro até os pinheiros próximos da fazenda São Jorge. Encontrei o grupo e caminhamos juntos os últimos 4Km. Eles já haviam comido frutas e tonado suco na Nuvem que os voluntários fizeram alguns quilômetros antes. Eu passei na rodoviária com James e lanchei uma esfiha e uma paçoquinha. Nesses 4 Km soube que eles começaram a caminhar 7h45. Precisaram esperar pra sair porque precisa tomar uma balsa para atravessar o rio. Sair com o sol já “alto” castiga o peregrino.
Osvaldo estava louco para encontrar Delícias do Milho, a lanchonete de beira de estrada que também carimba o passaporte. Provei um pedaço da pamonha que ele e Guerino pediram, provei suco de milho da Silvana, tomei uma Sukita laranja de canudinho. Enquanto caminho não tenho fome, tenho sede. Depois de Delícias do Milho Osvaldo e Guerino passaram a andar mais na frente, depois eu e Silvana, por último Edward. Ele foi o ultimo a chegar no altar da Casa de Santiago, onde Palma fez a cerimonia de entrega da Aris Solaris. Edward demorou a chegar porque esqueceu o celular no caminho e precisou voltar para buscar.
A cerimônia de entrega da carta atestando a conclusão do Caminho do Sol é um grande momento de alegria. Palma explica cada elemento da carta, e no final você escolhe quem a entrega para você. No meu momento expectadora, surpreendentemente entreguei a Aris Solaris para Edward. Como se não bastasse isso, por percorrer o caminho 5 dias com os pés e os outros 7 com o coração, recebi minha Aris Solaris de Silvana.
No meu depoimento falei que aprendi a ler mais os sinais do mundo, e agradeci a companhia da turma, que foi muito, muito boa. O engraçado é que era a única no início certa que terminaria o caminho e completei os últimos sete dias com a emoção, não com os pés.
Foi bom tomar uns tombos, na próxima jornada estarei mais bem preparada. Hoje já usei camiseta de manga comprida com FPS 50, chapéu de poliamida e protetor solar 70 no rosto, pernas e mãos. Ano que vem saio de Elias Fausto e concluo de fato o caminho. Conhecerei outras pessoas, viverei outra aventura. Preciso passar pelo Caminho do Sol dessa forma, não da que planejei anos atrás. Essa é a grande marca que levo do caminho.
Garanto desde agora: quando voltar ao Caminho do Sol, mais abobrinhas brotarão no meu sitio virtual.

segunda-feira, janeiro 09, 2017

São Paulo


As bolhas de ontem eram queimaduras de terceiro grau. Depois da missa em Elias Fausto fui ao pronto socorro da cidade e descobri. Uma semana de curativos 3 vezes ao dia devem resolver. O meu erro: protetor fator 30 para caminhar sob sol por 3 a 6 horas. O mínimo para esse caso seria fator 70.
Faltou camiseta de manga comprida com proteção solar, faltou mais preparo físico para caminhar mais depressa e ficar menos tempo sob o sol escaldante do verão. Não posso continuar, não conseguirei andar enfaixada nas árduas condições do caminho, mesmo já tendo cumprido o dia de percurso mais longo. Hoje seria dia de chegar na metade do caminho, desisti antes. De manhã eles partiram rumo a Capivari, eu fui rumo ao pronto socorro fazer mais um curativo e voltar pra São Paulo de onibus.
Porém foram as melhores férias que já tive. Parecia que vivia numa bolha onde só importava chegar inteira em outro lugar. Então tomar banho, lavar roupa, comer, e passar o resto do dia descansando e jogando conversa fora pra no dia seguinte acordar o mais cedo possível, fazer um senhor alongamento, tomar café (posso tomar um copo de leite frio?) e apreciar a natureza ao redor , cumprimentar quem cruzava nosso caminho, dizer até onde vamos a pé... Fui até Elias Fausto para ser abençoada.
Abençoada em conhecer um grupo de quatro malucos que tem tudo pra concluir a jornada em Águas de São Pedro. Se todos os malucos fossem da categoria de nós cinco, o mundo seria um lugar bem melhor. O que cada um vai ou precisa aprender, não faço ideia. Aprendi a ter mais calma, não desconfiar nem esperar que o futuro chegue logo. Confiar na providência divina depois de fazer minha parte. Não tem nada errado, tudo acontece quando precisa acontecer. E eu preciso cuidar dos meus braços pra poder abraçar o mundo e dizer que ele é bão, Sebastião.
Algum dia ainda entenderei como no Caminho do Sol me sentia totalmente recuperada e pronta para um novo dia depois de quatro horas de sono. Quem sabe outro ano complete o caminho pela mesma sede de aventura solidária que me impulsionou nesses cinco dias. Quem sabe encontre motivos mais nobres, urgentes, filosóficos, existenciais, esotéricos...
Enfim, a valente e destemida Tartaruga Touche ainda não está pronta para cruzar o oceano e aventurar-se em solo estrangeiro. Hora de remendar a carcaça com pulsos firmes.

domingo, janeiro 08, 2017

Elias Fausto


Hoje o dia prometia ser hiper tranquilo: 14 Km de planície, caminho praticamente reto, sem nenhum desvio.
O lado negativo era que descobri que o que achava que era uma unha comprida demais me incomodando no pé direito revelou-se uma bolha no dedo anelar do pé. Ontem comprei e usei hidratante com Aloe Vera nas partes queimadas de sol: braços, atrás dos joelhos, início do pescoço e da nuca (formando as marcas das golas das camisetas), e orelhas. Porém hoje cedo ganhei dois conjuntos de bolhas nos pulsos. Solução: protetor solar em abundância nas áreas mais vermelhas.
Porém ontem um amigo do Osvaldo foi buscar algumas coisas que ele queria mandar pra casa. Ele ofereceu esse “serviço de envio” para quem mais se interessasse e aceitei o favor embalando meu casaco corta vento e minha blusa fleece. Essas coisas só ocupam espaço na mochila de quem caminha no verão. Hoje de manhã Osvaldo disse que seu amigo nos encontraria na pousada seguinte para conhecer a turma, porque chegou muito tarde. Então perguntou se alguém queria que a mochila fosse levada para a próxima pousada. Pensei um pouco e aceitei, seria bom levar só os 2 Kg do meu cantil como bolsa, fora do meu pescoço. Pra completar o dia de princesa, Guerino teve pena das minhas bolhas nos pulsos e me emprestou uma de suas blusas de manga comprida que protegem do sol, e mantém um pouco da umidade do suor, deixando uma sensação fresca e possibilitando que se caminhe mais confortavelmente, quiçá até mais rápido.
Saí 6h30 e cheguei 9h30, fui a terceira do grupo a chegar. Osvaldo me alcançou depois de 1 hora de caminhada. Quando a tartaruga tira o casco rosa - juro que prefiro laranja, mas só tinha essa cor quando comprei - consegue até reparar que tem fazenda de parreira no caminho.
Foram 14 Km de um passeio no parque. Quando chegou o asfalto, parecendo um tapete, desfilei usando blusa branca combinando com o boné, shorts de pescaria, cantil e cajado, que conversavam com a última tendência de moda que é bota preta de cano baixo estrategicamente coberta de terra e meia coolmax cinza até o meio da canela. Tudo porque ontem comentei que comecei a repetir roupa. Quer coisa mais deselegante numa viagem tão chique quanto o Caminho do Sol?
Amanhã serão 21 Km até Capivari.

Salto, 7 de janeiro de 2017


Enfim chegaram os temidos 28 Km.
Na noite anterior pedimos para Rute nos servir o café da manhã de hoje às 6h. Ela aceitou porque somos um grupo pequeno, não é necessário preparar muita coisa. Porém avisou que se aparecêssemos 6h10 ela iria ralhar conosco. Atravessei o breu entre o quarto coletivo e a cozinha com a lanterna do carregador solar, 5h45 apareci com mochila e tudo. Silvana veio 5 minutos mais tarde e começamos tomar café. Os rapazes chegaram aos poucos, o ultimo foi Edward. Ele achou um comprimido que perdi no quarto enquanto me arrumava para sair. Como já havia terminado de tomar café, peguei o comprimido e parti sob um nascer do sol lindo. Fiz isso porque sei que sou a mais vagarosa do grupo, cedo ou tarde todos me passariam. Me despedi dizendo que a gente se encontrava no caminho.
Para não me perder nem sofrer por ansiedade, me concentrei nos pontos marcantes do caminho. Memorizava um ou dois e caminhava esperando que chegassem. Silvana, Osvaldo e Guerino me alcançaram antes do primeiro ponto.
Meus tornozelos resolveram doer. Primeiro achei que o cano da bota estava muito folgado, apertei. Aproveitei a parada e fotografei a primeira vista de Salto. Um tempo depois achei o tornozelo esquerdo muito apertado, ajustei novamente a bota. Pouco tempo depois os três me alcançaram.
Ao entrar na cidade perguntei a um morador se havia alguma farmácia na rua Japão. Ele respondeu que não, porém indicou uma duas quadras à esquerda do primeiro farol. Lá comprei hidratante com Aloe Vera, pois na noite passada meu braço começou a arder por tomar muito sol. A localização da farmácia é privilegiada: em frente há uma loja de salgadinhos, doces e bebidas onde tomei iogurte de pêssego e outro de morango. Voltei ao caminho 9h25.
Os pontos do caminho passavam, e nada do Edward me alcançar. Sabia que ele tinha saído por último, mas comecei a desconfiar que houvesse desistido. Não faria muito sentido. Deixei a ideia de lado e continuei caminhando.
No Bar do Pedro carimbei o passaporte e tomei Fanta Maçã Verde de canudinho, pra demorar mais. Um cliente do bar disse que o trio que chegou primeiro ficou 5 minutos no bar e já estava mais a frente. Aproveitei a parada e passei protetor solar pela terceira vez no dia, a segunda foi no banheiro da farmácia. Também olhei o grupo de Whatsapp e li a mensagem de Edward dizendo que hoje ele faria uma caminhada mais contemplativa. Quando saia do bar ele chegou, rapidamente pegou o carimbo e tomou cerveja. Aproveitei para cumprimenta-lo e tirar foto com o mais novo símbolo sex do grupo. Hoje ele tornou-se Sex-agenario.
Caminhamos juntos os últimos 4 Km do caminho e chegamos na Chácara San Marino 13h30. Ganhei um escalda pés e tomei um suco verde maravilhoso. Osvaldo, Silvana e Guerino já se encantavam com o almoço caseiro, enquanto almocei eles se maravilhavam com as sobremesas. Surpreendentemente Dona Orlandina ainda ofereceu café.
Eu não exagerei no almoço, dispensei a sobremesa – já havia comido o suficiente – e enchi a cara de suco: um terceiro copo de suco verde, outro de limonada, o último de maracujá.
Resumindo: o percurso mais longo foi o mais tranquilo de todos.

P.S.: Peço desculpas e esclareço que esta abobrinha não foi postada ontem porque não havia um bom sinal de internet na Chácara. Até mesmo telefonar estava difícil. Porém o acolhimento e local da Chácara San Marino são tão ótimos quanto a comida.


sexta-feira, janeiro 06, 2017

Itu



Hoje saímos todos juntos pela primeira vez, todos os 5, às 7h. Guiados por Bob Berne, funcionário mais antigo da pousada, famoso porque teve 11 bernes em seu corpo negro, magro, baixinho e peludo. O auxiliar do veterano de 4 patas foi Caio, ele traduzia o que o cachorro indicava e até refrescou a memória de Bob quando ele quis nos guiar por outro caminho. Também participaram da trilha alguns hóspedes da pousada, turma de 20 e poucos sonolenta pela noite passada. A trilha foi emocionante, acelerou meu coração como em tempos memoráveis em que eu não sabia que tinha arritmia cardíaca. Nos despedimos da turma do hotel na estrada.
Logo percebi que o passo da Tartaruga Touche é difícil de acompanhar, quando cheguei próximo ao viaduto não havia nem sinal dos outros. Olhei o guia, tomei o caminho certo, segui as setas.
Gostei quando a estrada de terra começou, mas no meu passo o Armazém do Limoeiro demorou a chegar. Encontrei a turma lá, que disse que Débora ainda carimbava o Passaporte do Sol. Além de contar que eles pararam de funcionar em 16/10/2016 (há 2 meses praticamente), e encheu meu cantil. Perguntou se me perdi, respondi que ando de vagar (porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais). Quando voltei na varanda para lanchar eles já haviam ido embora. Enxuguei o suor, passei protetor solar, lanchei e pouco depois precisei usar o banheiro. Iracema, vizinha que mora numa casa sem luz em todos os cômodos, me salvou. Ela tinha um banheiro com papel, lixo e descarga. Quase esqueci cantil e cajado na casa dela.
Pouco tempo depois confundo X com seta e quase subo uma ladeira se um rapaz na caminhonete não me avisa. Vi maritacas em bando voando sem sentido – uma falta de objetivo muito divertida. Vi gavião, tico tico, passei do outro lado da estrada para não assustar o pavão macho bonitão e depois de muito sol chego na fazenda Capuava. Demorei um bom tempo para encontrar a primeira placa indicando o Haras do Mosteiro – 2 Km além da fazenda Capuava. Depois que encontrei a área do canavial quase entrei nas ruas de cana 2 vezes. Na primeira um tratorista indicou onde estava a estrada principal, ele não conhecia a pousada. Na segunda parei numa bifurcação, procurei sinais, tirei fotos e mandei pro grupo de Whatsapp pedindo ajuda, tentei ligar pra organização do caminho (Saldo insuficiente para chamadas? Meu celular é de conta!? Segundo chip; esse número não existe.), liguei e pedi pro meu pai ligar pra organização. Ele tentou até celular de colegas de caminhada e deu fora de área. Nesse meio tempo olhei o Google Maps e pesquisei o destino: descobri que estava a 1,5 Km da pousada, precisava só seguir em frente. Pouco tempo depois achei a seta indicando a direita.
Perto? Não! Ainda tive dúvidas mas continuei adiante, parei um carro e perguntei pela pousada – o motorista não conhecia. Cheguei 14h45 desesperada para ir ao banheiro, e preocupada se minha roupa secaria. Osvaldo me deu a água gelada que ele havia pedido. Todos já haviam tomado banho e almoçavam. Renata me recebeu muito bem, comida simples e saborosa, suco de melancia sem açúcar nem adoçante espetacular.
Agora o tempo fechou mas ainda não choveu. Amanhã quero sair cedo, serão 28 Km. E a lição do dia é: caso se perca e não encontre ninguém pra perguntar nem sinal algum do caminho, use o Google Maps. Em Santiago ele também te salva.

quinta-feira, janeiro 05, 2017

Cabreuva


“Hoje o percurso foi muito bom apesar de ser no asfalto, muitos trechos com sombra de árvores, sons de passarinhos.
O tempo também ajudou, nublado, o sol só abriu depois das 10:30h.
Saímos por volta das 6:40h do Hotel Casarão, exceto o Osvaldo que saiu bem mais cedo.
Eu e o Guerino chegamos na Pousada Colinas às 12:28h, a Silvana e a Alexandrina chegaram por volta das 13:30h.
A Tatiana e o Caio, da pousada, ficaram surpresos, pois normalmente os peregrinos costumam chegar após às 15:00h.
Mas deixei bem claro, não somos atletas mas sim peregrinos bem preparados fisicamente para este tipo de esforço.”
Edward Luiz Silva
O grupo se separou. Osvaldo saiu 5h45 sem tomar café, Silvana e eu saímos 6h30, Guerino e Edward saíram pouco depois. Guerino nos alcançou rapidamente, no Portal do Romeiro em Pirapora. Ao lado havia uma placa escrita “Mirante do Caminho do Sol” e indicando a esquerda. Onde está esse mirante não faço ideia, tirei foto no Portal do Romeiro e fui até o Mercado do Ivo procurando essa coisa. Nesse caminho havia uma paisagem com rio entre montanhas linda, valeu pelo mirante que perdi.
Guerino logo seguiu caminhando mais a frente, perdemos ele de vista. Pouco depois Edward nos alcançou e nos acompanhou até a mina d’água, onde encontramos Guerino. Depois de encher as garrafas eles seguiram na frente enquanto Silvana esperou eu passar protetor solar novamente pois tinha suado muito. Nesses dois dias me surpreendi com o quanto suo nas mãos. Mas não passei protetor nelas, sim no rosto, pescoço, braços e pernas.
Antes de nos separarmos de Edward fiquei animada ao ver uma placa verde com algo escrito, estava crente que informaria algo sobre o mirante; me decepcionei ao ler “Volte sempre a Pirapora e que o Bom Jesus te acompanhe.”. Nessa hora estava por último, mais afastada de Silvana e Edward, então comentei “É, Bom Jesus, me acompanha!”.
Depois da mina vimos Edward e Guerino somente no Mercado do Ivo, ponto de parada para pegar carimbo e fazer algum lanchinho. Eles saíam quando a gente chegava.
Descobri que a melhor forma de carregar o passaporte no bolso é no meio do guia, com o guia fechado. Carreguei guia aberto, passaporte do lado e celular por cima: quando fui entrega-lo para ser carimbado no Mercado do Ivo ele estava ensopado de suor. Isso ocorreu entre 10h20 e 10h30. Silvana e eu compramos um pequeno lanche. Ela comeu em pé porque tinha medo de tirar a mochila e demorar a encontrar o ritmo da caminhada novamente. Depois ela resolveu escutar música e disparou na frente.
Antes do mercado o caminho é super agradável, muito verde, pássaros, sombra. Depois do mercado a estrada passa a receber mais sol. Nesse percurso passo a ver Silvana no horizonte. Depois ela some e quando chego no ponto em que ela sumiu ela está novamente no horizonte. Um ciclista com mochila pergunta se estou fazendo o Caminho do Sol, quantos somos, qual a próxima parada. Respondo e descubro que ele e a esposa também percorrem o Caminho do Sol, a próxima parada deles é Elias Fausto. Ele se surpreendeu em saber que estamos no segundo dia, eles estão no primeiro e partiram de Pirapora. Encontramos muitos ciclistas e caminhantes depois do Portal dos Romeiros e antes do Mercado do Ivo. Mas esse casal de ciclistas peregrinos encontramos depois do mercado.
Chega a hora em que chego no ponto em que ela sumiu e não a vejo nem no horizonte. Hora de conversar com meu anjo da guarda. Temos conversado pouco ultimamente. Penso que mereço o troféu Tartaruga Touche: a valente peregrina que chega por último. Meu joelho não deixa apressar o ritmo: não doeu nos primeiros 50 metros, mas depois reclamava a cada subida e descida.
Silvana me esperou no letreiro de Cabreuva para tirar foto. Seguimos até a igreja mas encontramos a secretaria fechada. Perguntei no grupo de Whatsapp se precisava esperar ela abrir para conseguir o carimbo. Osvaldo aconselhou seguir para a pousada, faltava 1Km para chegar e o almoço estava quase pronto. A secretaria abriria novamente 13h. Como a igreja é fresca e faltavam 20 minutos pras 13h, escolhi esperar enquanto Silvana seguiu para a pousada. Ainda tinha muita água no cantil e balas de banana no bolso – no caminho só comi uma e ofereci outra a Silvana. Aproveitei os minutos de espera para passar mais protetor solar e ajeitar a mochila, que estava folgada no quadril. Meia hora depois de conseguir o carimbo estava na pousada.
Os meninos já haviam tomado banho e esperavam o almoço. Osvaldo não visitou a igreja e quando Guerino e Edward passaram por lá o horário de almoço havia começado. Ou seja: só a Tartaruga Touche aqui conseguiu o carimbo antes de chegar na pousada. Depois do almoço Silvana voltou à cidade para ir ao banco e carimbou o passaporte dela e dos outros também.
A pousada Colina em Cabreuva tem piscina, campo de volei de areia, diversos chalés. Oferecem escalda pés e água gelada quando chegamos, carregam nossas mochilas e cajados, um verdadeiro hotel. As bebidas e sobremesa do almoço são pagas à parte se você quiser algo além de água. Experimentei cerveja sem álcool, coisa que não faço há anos, e constatei que continua amarga e forte. De sobremesa provei Apfelstrudel. Lembrei dos meus pasteis de maçã e do purê de maçã (Apfelmuss) que fiz pouco depois do natal.
Provavelmente será a estadia mais cara do caminho, mas depois de encarar 25 Km com o joelho reclamando, ser informada de que cheguei 2h30 antes da maioria dos caminhantes, mereço esses luxos.
Ah! Sobre meu joelho esquerdo: passei Cataflan nele depois do banho, enquanto escrevo ele não dói, mas se movimento um pouco ele mostra o ar da graça. Meus ombros doem, preciso ajeitar a mochila de outra forma amanhã. Última descoberta: você PRECISA lavar a cabeça todos os dias, sol, suor e poeira deixam os cabelos super espigados.
Amanhã enfrentaremos 23 Km de planície rumo a Itu. Seremos obrigados a sair todos no mesmo horário pois um guia da pousada nos levará pela trilha dela em mata fechada. Tudo ótimo fazer trilha em mata fechada com guia, o problema é que a trilha tem subidas íngremes e meu joelho não vai gostar. O remédio? Cataflan, Ibuprofeno e muito descanso.

quarta-feira, janeiro 04, 2017

Pirapora do Bom Jesus


Osvaldo saiu 6h para fotografar um belo nascer do sol no caminho e chegar na pousada Casarão 8h. Sem problemas, ele já percorreu 2 caminhos de Santiago antes de encarar o do Sol – está fazendo as rota inversa. Ele também viaja bastante, inclusive para o exterior. Em matéria de viagem sou a mais humilde do grupo, que nunca saiu do Brasil nem conhece muitos lugares. Osvaldo tem descendência italiana e alemã, nasceu em Santa Catarina, mora em São Paulo, é formado em fisioterapia e estuda medicina chinesa.
Nós, os quatro mosqueteiros restantes, saímos 7h e 10h50 já estávamos nos quartos da pousada seguinte. Márcio, dono da pousada, disse que caminhamos em ritmo de veteranos! Foram 15 Km (mais precisamente 14,9) em 4h. Fazendo as contas nossa velocidade média fica 3,75 Km/h, o que não é nada mal. Normalmente os peregrinos chegam 12 ou 13h na pousada.
O percurso foi praticamente só asfalto. Atravessamos terra e mato somente antes de entrar em Pirapora, quando passamos pelo morro do cruzeiro que dá vista para a cidade e o mosteiro, que hoje ainda pertence a uma entidade religiosa mas funciona como centro de reabilitação de dependentes químicos. No morro paramos para fotografar e beber água. Falando em água, quase esqueci meu cantil antes de partir de manhã. Também fui a que mais demorou para se arrumar, e depois demorei no alongamento.
Pouco antes de chegar na igreja da cidade tem uma sorveteria onde fomos (todos os 5) depois do almoço. Muitos gostaram do sorvete de abóbora com coco, eu me decepcionei com o sabor forte do de menta (esqueci como era) mas gostei muito do de ameixa. Quem pagou tudo foi Edward, pois achou uma nota de 50 no meio do caminho. Sim, ele achou dinheiro no acostamento da estrada, enquanto procurava apoio para o cajado ao andar na grama.
Outro feito nosso foi subir o Morro do Cala a Boca conversando. Eu vou sempre quieta observando, nem fotografo muito, mas conseguimos. Quando passamos por garis cortando a grama do acostamento olhei pra trás e não vi Edward, sugeri a gente parar e espera-lo. Uma curiosidade do caminho são as cruzes das estações da Via Sacra. Quando finalmente decidi parar para fotografar uma, a bateria do meu celular havia acabado. Lição do dia: quando chegar na pousada coloque o celular para carregar a bateria, não importa quanto ele tenha de carga.
As dores do caminho: meu pulso esquerdo começou a doer bem no início, mesmo partindo sem relógio nele. A solução foi segurar o cajado com a mão esquerda para que o pulso não ficasse para baixo. Meu quadril esquerdo doeu não sei quando, meu joelho esquerdo mostrou que existe principalmente na descida. Passei Cataflan no joelho quando voltamos para a hospedaria para descansar. Ganhei uma pequena bolha no indicador direito que já estourou no caminho devido ao jeito com que pego a coisa. Nada que um bandeide amanhã não resolva.
A pousada Casarão serve jantar somente para grupos com no mínimo 10 pessoas, Márcio nos indicou uma padaria próxima que serve lanche quente até 19h15. Depois eles precisam lavar a chapa. Tem tv no quarto mas o pessoal quer mais curtir o silêncio e dormir. Tv foi a última coisa que reparei no quarto.
Amanhã serão 25 Km até Cabreuva, a maioria em terreno plano. A distância assusta, ofereceram carro de apoio, mas quero o mérito de caminhar com o peso que tenho. Não é o peso da bagagem que quero deixar, é o peso do meu corpo.

terça-feira, janeiro 03, 2017

Santana de Parnaiba, 3 de janeiro de 2017


Minha mochila pesa 5,5 Kg, meu cantil tem 1,9 litros, posso arredondar seu peso para 2 Kg, logo, durante os próximos 11 dias carregarei 7,5 Kg. Antes de sair de casa eu pesava 81,4 Kg, portanto o maior peso que carrego está dentro do meu corpo. Ficarei feliz em deixar boa parte desse peso interior no Caminho do Sol.
Cheguei no ponto de partida, a primeira pousada, às 15h. Edward já havia chegado, esperei os outros 3 peregrinos. Ao sair para comprar 5 Kg de alimentos não perecíveis percebi que é melhor andar com as moedas no bolso. Meu pai fez tanta pergunta para seu Manuel e seu Paiva na hospedaria que eles pensaram que ele também caminharia. Paiva é copeiro e deu 10 anos a menos para meu pai, ficamos felizes.
Edward tem 60 anos e já percorreu diversos caminhos, inclusive o Caminho do Sol em 2007. Disse que nesses 10 anos o caminho mudou, ao menos as pousadas. Dos caminhos de Santiago ele já percorreu o francês e o português, sobre o caminho de Madrid ele ouviu que é mais caro, pois não pertence à Xunta de Galicia, além de ser mau sinalizado. Ano que vem ele pretende percorrer o caminho Aragonês, está se preparando com o do Sol. Também percorreu o Caminho da Fé 2 vezes, falei que é o próximo da minha lista. Tanto Edward quanto Paiva disseram que o peregrino geralmente é idoso. Idosos ativos. Realmente os números não mentem, não é de hoje que a tv noticia que idosos e crianças são os brasileiros que mais se exercitam. A juventude é sedentária. Fico muito feliz em constatar que estou criando ideias e hábitos de idosa: cuidando do corpo e me aventurando pelo mundo.
O terceiro a chegar foi Guerino. Veio de Sorocaba embora more em São Paulo, costuma viajar, mas está na primeira peregrinação. Se preparou caminhando 5 a 6 Km diariamente nos últimos 2 meses. Normalmente viaja com a família: tem 3 filhos, 2 do primeiro casamento e uma do atual. Já visitou a Europa com a esposa, passou por Portugal, Espanha e Itália. Visitou Santiago de Compostela de carro e surpreendeu-se com o fato de ser uma cidade moderna, com diversas universidades, mas o centro foi preservado como cidadezinha medieval.
A quarta a chegar foi Silvana, uma professora loira de Santo André, mãe de duas filhas, que tinha intenção de fazer o Caminho de Santiago com o marido. Ele partiu e agora só pode acompanha-la em espírito. Nos últimos meses ela também treinou caminhando ou correndo todos os dias.
Osvaldo é o quinto caminhante e chegou 21h50, não encontrou Palma para receber as orientações iniciais.
Por volta das 20h Palma nos recebeu e contou sobre o caminho, mas o melhor mesmo foi nos ensinar como funcionam nossas mochilas, como ajusta-las no corpo. Também falou da importância do cajado e como é bom não ficar inventando com ele ao caminhar para não causar nem sofrer acidentes. Pouco antes do início da conversa soube que foi criado um grupo no Whatsapp com os caminhantes e o pessoal de apoio. Só então acessei a internet do lugar.
Paiva nos indicou pizzarias próximas, mas fomos jantar nas barracas atrás da igreja e apreciamos a decoração de natal da praça, que também tocava músicas natalinas.
Agora é ler o trajeto de amanhã e dormir.

segunda-feira, janeiro 02, 2017

“Pra ver

os olhos vão de bicicleta até enxergar
pra ouvir
as orelhas dão
os talheres de escutar
pra dizer
os lábios são duas almofadas de falar
pra sentir
as narinas não viram chaminé sem respirar
pra ir
as pernas estão no automóvel
sem andar...”

São Paulo, 13 de dezembro de 2016

Meu quadril ganhou uma bursite. Qualquer articulação pode ter bursite, que é inflamação das bolsas que ficam entre ossos e pele para que a pele não se desgaste ou rompa. Pesquisei e descobri que mulheres que correm sujeitam-se a desenvolver essa doença. O médico receitou antiinflamatório e compressa de gelo no local diariamente, por 15 a 20 minutos. O lado positivo desse contratempo é que quanto antes se começa a tratar de bursite mais chances de controla-la ou livrar-se dela.
Na semana seguinte à corrida não fui à academia. Durante esse tempo utilizei o brinde da primeira corrida que completei e ganhei uma massagem relaxante. O médico do exame clínico (tirei ultrassom do quadril) disse que é algo leve, não precisarei de meses para me reabilitar. Como vi que o antiinflamatório que o ortopedista receitou continha três tipos de vitamina B e diclofenaco sódico, tratei de sempre comer alguma carne ou outro alimento que tivesse esse tipo de vitamina nas refeições. Banana e leite no café da manhã tornaram-se sagrados.
Hoje retornei ao ortopedista e ele disse que como as dores não se agravaram não preciso de nenhum tratamento, caso a dor volte tomo antiinflamatório e faço compressa de gelo. Naas duas semanas entre uma consulta e outra fui à academia somente um dia, onde caminhei por cinco minutos no aparelho transport. Vez ou outra meu quadril lembra de doer quando ando. Não faço esforço nem pretendo fazer durante essa semana. Levarei o antiinflamatório na mochila, sobraram cinco comprimidos. Até a viagem, ao menos uma vez por dia, pretendo fazer exercícios de fortalecimento do quadril que a professora de educação física da academia mostrou. As dores que sinto não são frequentes nem intensas, por isso demorei para decidir a fazer os exercícios, vivo esquecendo.
Na preparação para a viagem preciso e tenho cuidado bem do corpo e da mente. Precisarei deles para viver a aventura de percorrer o Caminho do Sol. Pensando bem, o tempo todo é bom ter corpo e mente sãos na aventura da vida. Minha saúde física e mental não está perfeita, ainda tomo remédios e não tenho previsão de parar de toma-los, num futuro próximo as doses tendem apenas a diminuir. Isso significa mais coisas na mochila.
Para percorrer qualquer o caminho não é necessário ser perfeito, é necessário apenas dar um passo de cada vez. Planejamento e preparação ajudam muito, sem essas premissas o cansaço é maior e corre-se o risco de desistir durante o caminho.
No último final de semana finalmente comprei as meias super super, o último item de vestuário da mochila. Hoje comprei a corda. Possuo todos os itens, nessas três semanas finais organizarei a mochila.
Refiz os cálculos pois decidi tomar café em Águas de São Pedro com o idealizador do Caminho do Sol no dia seguinte à chegada. Contando as datas de partida e volta para casa, serão treze dias de viagem.
Listei as pessoas que convidarei a acompanhar minha viagem pelo blog e me surpreendi com a quantidade. Fiquei feliz em me dar conta de que gosto e convivo com bastante gente, espero que boa parte dessa turma aceite o convite. Quero que tenham um momento de distração durante o dia lendo coisas que não possuem relação alguma com a rotina que levam. Quero que leiam meu diário de viagem e comentem, quero que provem as abobrinhas verdes que produzirei no Caminho do Sol.

“E os ossos serão nossas sementes
sobre o sonho
e dos ossos as novas sementes
que virão”
O Caroço da Cabeça, Paralamas do Sucesso

domingo, janeiro 01, 2017

“Preso nessa cela

de ossos carne e sangue...”

São Paulo, 28 de novembro de 2016

Ontem cumpri minha segunda corrida preparatória. Percorri 6 Km no Parque Ecológico Tietê em 49 minutos, na terceira etapa da Corrida e Passeio Circuito Rios e Ruas Caixa 2016. Treinei certa de que cumpriria o percurso, só não sabia o tempo que levaria. Talvez não tenha me esforçado muito, o fato é que não consegui correr o trajeto inteiro. Larguei no maior gás, uma velocidade incrível impulsionada pela adrenalina da música clássica que tocava na largada, mas não consegui manter a velocidade sequer por um quilômetro. Comboios e mais comboios me ultrapassavam. Depois do primeiro ponto de água, no quilômetro 2,5, passei a andar. No quilômetro 3 voltei a correr mas pouco depois minha bacia começou a doer. Desde então passei a andar um bocado e correr até a dor ficar um pouco alta. Fiz questão de correr os últimos 500 metros. Tudo que soube ontem foi meu tempo ao olhar o cronômetro do pórtico de largada e chegada. A corrida foi muito bem organizada, embora não fornecesse tantos brindes gratuitos quanto a do McDonald's. Não havia separação para deficientes ou atletas profissionais, somente separação entre quem corria e quem caminhava. Caminhantes vestiam branco, não possuíam chip no tênis, percorriam 4 Km, enquanto a camiseta oficial para corredores era azul, usamos chip e tivemos 2 pontos de hidratação no percurso de 6 Km. Hoje consultei o site da empresa de cronometragem e descobri que precisamente meu tempo foi 49min e 11s, minha classificação na lista geral feminina foi 135, enquanto que minha classificação por faixa etária foi 132. São informações do certificado que baixei. 180 mulheres completaram a prova. Depois da corrida fiz piquenique no parque com meu namorado, em casa tomei Neosaldina, o que não aliviou minha dor.
Fiquei preocupada. Vai que essa dor na bacia piora e me impede de caminhar. Hoje caminho com uma dor leve, dói de verdade quando tento correr ou andar mais rápido, porém sequer na corrida fiz tanto esforço a ponto de sentir uma dor lancinante. Marquei ortopedista para amanhã de manhã.
Dos itens para viagem faltam: meias super super, corda, condicionador, protetor solar, necessaires para organizar as coisas dentro da mochila. Não quero me arriscar a ficar sem protetor solar, por isso comprarei um frasco novo para a viagem. Não levarei xampu, lavarei os cabelos somente com condionador sem produtos de origem mineral (sem pretolados), na técnica do co-wash.
Segundo relatos das blogueiras de beleza, o cabelho fica até mais saudável quando lava-se somente com condicionador e abandona-se produtos que contenham derivados de petróleo (silicone e parafina, por exemplo). O melhor de tudo é tirar um item da mochila e não precisar usar frascos menores em produtos de higiene. Como não frequento hotéis para receber frascos pequenos de xampu e condicionador de brinde, encontrar embalagens pequenas não é fácil. Lojas de esportes de aventura vendem tais coisas por um preço nada camarada se comparados com lojas de itens para fazer cosméticos. Mesmo morando numa metrópole, é difícil encontrar esses dois tipos de loja.
Na busca pelos itens da viagem aprendi a fugir de lojas de esportes de aventura. Até agora só comprei dois itens numa delas: a bota e blusa fleece. Preciso comprar ainda as meias super super. Em compensação, os outros itens comprei na internet, lojas de pesca e camping, e até loja esportiva. Consegui camisetas de poliamida participando das corridas, mas precisei comprar a terceira em loja esportiva.
De repente, faltando um mês para a viagem, meu corpo fraqueja. Minha bacia até ontem não tinha motivo algum para doer, mas resolveu reclamar de algo. Qual o problema com minha perna direita? Primeiro o joelho vez ou outra reclama do nada como sequela do atropelamento que sofri nos idos de 2002, agora minha bacia dói no lado direito realmente sem nenhum motivo e me força a andar mais do que a preguiça permitiria na corrida. Estou cronometrando, minha perna tem um mês e quatro dias para se reabilitar. Espero que minha cabeça e meu coração também não inventem de fazer alguma extravagância.

“Só espero a hora
em que o mundo estanque
pra me aproveitar do conforto de não ser mais ninguém”
Jesus numa Moto, Sá Rodrix & Guarabyra