sábado, novembro 11, 2017

Apresentação Poética (e patética)

Não vim recitar o quanto o sistema é injusto comigo
O sistema é injusto com todo mundo, amigo
Até ministra dos direitos humanos reivindica salário acima de 61 mil
Mostra a tua cara, Brasil

Poeta sem gênero? Modernidade
Pra isso não tenho idade
Até a gramática reformar
Essa língua que me batiza
Faço verso escrevo rima
Sigo sendo poetisa

Eu moro ao lado da pobreza
Manchetes sangrentas, tragédia e tristeza
Bailes até o domingo nascer
Muitos nem dormiram, acordo pra correr
Zona Sul, Parque Jabaquara
Perto da estação rodoviária
Não vou pro litoral, pra praia
Não voo mesmo sem neblina
O avião me passa por cima
Caminho até São Judas
Em causas impossíveis ele ajuda
Gasto menos de trinta minutos
Já Santo Expedito, de causas urgentes
Levo a manhã inteira caminhando alegremente
Pagar promessa? Não
Junto-me aos peregrinos por diversão

A periferia tem um jardim diferencial
Botânico, vizinho ao zoológico animal
Atrai pássaros, noivos e grávidas
Promove corridas em manhãs ensolaradas
Dentre os parques possui ímpar beleza
A nascente do rio Ipiranga protegida pela natureza
Cobra entrada mas não chega aos pés
Do quanto se paga pra ver chimpanzés

Ando com a alta sociedade
No parque mais famoso da cidade
Chego de ônibus, mochila e chapéu
Reparo nas árvores, reparo no céu
Ciclista, patinador, esqueitista
Caminhante, corredor, pra todos tem pista
Está logo ali, é meu e já era
Ele é alto nível, é Ibirapuera

Não sou negra nem tenho cabelo duro
Sou branca feito papel, de olho e cabelo escuro
Corro de alisamento e tintura
Quero cultivar meus cachos até a cintura
Mulher alta pra mim tem no mínimo um e setenta
Por três centímetros nunca tive vocação pra modelo
Ainda assim andar reta é um pesadelo
Com tantas setas apontando minha pequenez
Um bom tempo andei olhando o chão
Lá estava minha auto estima: no pé,  no dedão
Faz tempo ela subiu, veio pro coração
Criou raiz, daqui não sai não

Não fui criada pra casar e ter filhos
Nem atingir metas de sucesso sem fim
Busco me sustentar, cuidar de mim
Quando não tenho par ando sozinha sim
Há quem viaje o mundo feito maluco
O lugar mais longe em que estive foi Pernambuco
Antes de invejar sua longa, sábia e sofrida vida
Me encanto com sua história e silencio aturdida
Com o pouco que vivo, o nada que sei
Os bens que não junto, a alegria que espalhei

Sou a parte mais branca do navio negreiro
Não busco fama nem dinheiro
Me dispo da vaidade, não busco nem liberdade
Quero estar em harmonia, contribuir com o meio
Não me revolto contra as regras, me adapto
Depois questiono
Se houver um depois
Essa vida de assalariado explorado
Classe média pagando pro sistema inteiro
Benefício? Nenhum
Sonha com viagem pra Cancun
Ou pra Disney, pra Europa
Se endivida e banca o sonho
Recorda por dez meses pagando risonho

Não aceito essa programação
Quero ampliar minha visão
Sem invejar meu irmão
Sei que sou mais uma na multidão
De paulistanos, de peregrinos, trabalhadores
De voluntários, de esportistas, de escritores
Produzindo abobrinhas num sítio virtual
Poetizando toda experiência sensorial
Pra entrar no sarau sabendo muito bem
Entre famosos e importantes estou bem aquém
Sou uma pedrinha invisível, sou quase ninguém.