sábado, setembro 29, 2018

O homem de negócios e o peregrino

Quando contrariado:
O homem de negócios aponta o dedo enfurecido.
- Você não paga as minhas contas!
O peregrino suspira sereno.
- Você não sabe o quanto eu caminhei...

O homem de negócios vive em função do dinheiro
vive entre posses, desempenho, metas
cobrança em todos os lados
estranha se não for cobrado
as relações são sempre troca de interesses
Relações? Obrigações!
viver é pagar boletos
sucesso é posse e acúmulo de bens

No caos que escolheu viver
a mente do homem de negócios espana
é proibido falhar
é proibido parar
é proibido sentir por muito tempo
é permitido refletir e pensar
mas apenas sobre o que o mercado de trabalho pede
as doenças de uma mente encarcerada atacam:
ansiedade, depressão, suicídio

O homem de negócios é desumano
é uma máquina que não sabe amar
aprecia a beleza das flores de plástico
sem notar que elas nunca estiveram vivas

O homem de negócios não aprecia a vida
ele mal sabe que está vivo
sabe apenas que existem metas, obrigações
coisas que escolheu fazer
viver para ele é cumprir agenda

O peregrino também tem seus objetivos e metas
que atingirá seguindo setas
com razão e emoção batendo em seu coração

Ninguém empurra ou pressiona o peregrino
ele caminha em seu propósito divino
prudente como um velho
alegre como um menino

Até o destino do peregrino há uma longa estrada
nem sempre florida e ensolarada:
há desertos descampados
monotonia
solidão
calor
frio
chuva e vento

O peregrino aprecia o caminho em cada momento
bom ou ruim, ele atravessa sem pressa
certo de que a experiência vale a pena
reconhece as limitações de seu corpo e mente
respeita a vida que carrega e sente

Viver é uma grande viagem
que o peregrino percorre sem carruagem
dando um passo por vez
às vezes se perdendo
outras tem os pés doendo
machucados, dor
ele sofre e soluciona seja o que for
atravessa climas conflitantes
de lugares e acompanhantes

Por ser uma viagem, não há pressa de chegar
pode-se parar quando quiser para fotografar
enquanto caminha, pode-se filosofar
apreciar lugares, pessoas, refeições
agradecer lugares, pessoas, refeições

O peregrino quer chegar na meta, o seu ideal
sabe que sobreviver é fundamental
concentra-se na sobrevivência durante o caminho
de forma leve vive em grupo ou sozinho

O homem de negócios quer chegar na meta
destrincha ela em pequenas partes
cobra de si pequenas vitórias
e amealha insignificâncias

O homem de negócios enriquece e se consome
o peregrino supera dificuldades e recorda em lento seguir
o homem de negócios precisa vencer
o peregrino precisa existir.


P.S.: Poesia declamada pela primeira vez e distribuída na Penitenciária Feminina da Capital e na penitenciária masculina Adriano Marrey. Gratidão ao Sarau Asas Abertas.