quinta-feira, agosto 28, 2008

segunda-feira, agosto 18, 2008

CARTA AO GLOBO RURAL

Me chamo Colombina, moro numa selva de pedra porém adoro acordar cedo aos domingos para acompanhar esse programa. As reportagens especiais são encantadoras, fazem meu dia começar alegre por mostrarem novidades do campo.

Possuo um pequeno sítio nessa selva, onde produzo abobrinhas verdes há quase três anos. Nos últimos meses notei em meio minha produção uma espécie de parasita que danifica não apenas minhas abobrinhas, mas minha vida como um todo. Antes que os insetos virem praga e devastem todo meu pequeno sítio, gostaria de uma sugestão para controla-los ou até mesmo erradica-los.

Envio anexa uma definição e uma pequena amostra da peste que me aflige: os insetos interiores.




OS INSETOS INTERIORES
(Fernando Aniteli, dO Teatro Mágico)

Notas de um observador:
Existem milhões de insetos naumáticos
Alguns rastejam, outros poucos correm
A maioria prefere não se mexer
Grandes e pequenos, redondos e triangulares
De qualquer forma são todos quadrados
Ovários oriundos de variadas raízes
Radicais, ramificações da célula rainha
Desprovidos de asas, não voam nem nadam
Possuem vida, mas não sabem
Duvidam do corpo
Queimam os seus filmes e suas floras
Para eles, tudo é capaz de ser impossível
Alimentam-se de nós
Nossa paz e ciência
Regurgitam assuntos e sintomas
Avoam e bebericam sobre as fezes
Descansam sobre a carniça
Repousam-se no lodo,
Lactobacilos vomitados sonhando espermatozóides que não são

Assim são os insetos interiores:
A futilidade encarrega-se de maestrá-los
São inóspitos, nocivos, poluentes
Abusam da própria miséria intelectual
Das mazelas vizinhas, do câncer e da raiva alheia
O veneno se refugia no espelho do armário
Antes do sono, o beijo de boa noite
Antes da insônia, a bênção
Arriscam a partilha do tecido que nunca se dissipa...
... a família
São soníferos, chagas sem curas
Não reproduzem, são inférteis, infiéis, in(f)vertebrados
Arrancam as cabeças de suas fêmeas, cortam os troncos,urinam nos rios
E na soma dos desagravos, greves e desaterros esquecem-se de si
Pontuam-se

A cria que se crie, a dona que se dane
Os insetos interiores proliferam-se assim
Na morte e na merda
Seus sintomas?
Um calor gélido e ansiado na boca do estômago
Uma sensação de...
... o quê mesmo que se passa?
Um certo estado de humilhação conformado
Parece bem-vindo e quisto
É mais fácil aturar a tristeza generalizada
Que romper com as correntes de preguiça e mal-dizer
Silenciam-se no holocausto da subserviência
O organismo não se anima mais
E assim, animais ou menos assim
Descompromissados com o próprio rumo
Desprovidos de caráter e coragem
Desatentos ao próprio tesouro
Caem
Desacordam todos os dias
Não mensuram suas perdas e imposturas
Não almejam, não há alma
Já não mais amor
Assim são os insetos interiores

domingo, agosto 10, 2008

VIDA DIET
(John, do Pato Fu)

A gente se acostuma com tudo
A tudo a gente se habitua
E até não ter um lugar
Dormir na rua
A tudo a gente se habitua

Me habituei ao pão light
À vida sem gás
O meu café tomo sem açúcar
E até ficar sem comer
Sem te ver
A gente custa mas se habitua

Sem giz, sem água
Sem paz, sem nada

Não vai ser diferente
Se eu me for de repente
Se o céu cai sobre o mundo
E o mar se abrir
Em um inferno profundo

Se acostumou sem querer
Ao salto alto
Salário baixo, à vida dura
E até ficar sem TV
É bom pra você
Televisão ninguém mais atura



ISSO DÓI.

Ônibus, trem, metrô, horas de viagem. Levo o que me encanta para mostrar. Às vezes troco minha rotina, experimento novos horários, novas formas de se viver um dia.

Quer que eu faça algo? Peça. Quer minha companhia? Diga onde e quando.

Compreendo Deus e o mundo, atravesso o purgatório pra encontrar uma alma amiga. Ganho adulação como retribuição.

Sei que algumas dessas almas amigas jamais fariam o mesmo por mim. Covardes, orgulhosas, fracas. Incapazes de pagar na mesma moeda. Procuro não precisar delas, nessas horas não irei encontrá-las. Tudo que podem me oferecer é adulação... e algumas críticas, alertas. Sempre que me disponho a atravessar purgatórios. Não que as preciosas almas amigas fiquem paradas me esperando, elas geralmente vão aonde não costumo ir.

Quando as convido ir onde não estão acostumadas, elas dificilmente vão. Não têm a menor disposição de atravessar purgatórios. Não têm vocação para salvar meu dia, não são boas companhias: não acompanham. São diferentes demais da minha natureza, por isso se orgulham. Empertigam-se em seus ninhos e proferem suas sentenças sobre meu comportamento. Vêem-se livres, julgam-me cativa de um duro cotidiano.

Esse ser cativo, que contraditoriamente perambula com destreza pelas mais diversas realidades, entendendo o motivo de ser de cada uma. Esse ser cativo que atravessa purgatórios em busca de uma alma amiga. Esse ser dócil, que se banqueteia com elogios. Grita em alto e bom som:
EU
NÃO
PAREÇO
COM VOCÊ!