sábado, dezembro 12, 2015

"Nem fica bem falar...

mas tem coisa que se a gente que é pombo não fala, ninguém fala.”

Com esse bordão o pombo paulista encerrava o comercial da Eletropaulo nos idos de 2000.
Era uma campanha que retratava as coisas erradas que cidadãos comuns fazem no dia a dia, e porquê eles praticam esses atos contrários a cidadania. Gritar no trânsito e jogar lixo na rua eram exemplo de ações focadas pelos comerciais. Tudo observado pelo pombo paulista.
O pombo, esse animal praga que suja a cidade, sabe que não é a melhor das criaturas para dar lição de moral, além disso compreende os motivos que levam os cidadãos a cometer pequenos delitos, por isso sempre diz que “Nem fica bem falar”. Ele está no meio da cidade suja e desorganizada que observa, não é um observador limpo, apesar de simples. Justifica sua crítica comentando que “tem coisa que se a gente que é pombo não fala, ninguém fala”.
Os políticos de hoje em dia envolvidos em escândalos são como o pombo paulista. Não possuem boa reputação entre o povo mas denunciam porque “se agente que é pombo não fala, ninguém fala”. O pombo ao menos é um animal simplório e comum, coisa que o político dificilmente é. Mas a função deles é observar a sociedade e propor soluções para os problemas que ela enfrenta, parecido com o que o pombo fazia nos comerciais, embora o bicho não propussesse nenhuma solução mirabolante: simplesmente deixar de praticar atos contra a cidadania.
A questão que fica: será que os políticos, moralmente sujos e mal afamados como o pombo paulista, conseguem limpar o ambiente em que vivem? Mesmo depois do comercial os pombos continuam poluindo e espalhando doença.

sábado, dezembro 05, 2015

Não perco tempo

Não perco tempo
aos escravos da produtividade um alento
não perco tempo
trato ele com apreço
ele é tão precioso que não tem preço
muitas vezes é intuitivo
não precisa ser produtivo
pra que eu diga que não perdi
que não gastei em vão
esse tipo de sensação comigo não
não pega não
tempo é dimensão

posso perder trabalho
fazer coisas mais que fúteis
grandes ações inúteis
mas vida e tempo não mesmo
não são coisas que me escapam entre os dedos
tempo eu ganho até morrer
a cada amanhecer
e se me concentro em cada minuto que viver
dessa forma nenhum tempo hei de perder

escravos da produtividade
que precisam sempre de ação
não sabem o que é contemplação
toda vez que encontram contrariação
dizem que gastam seu tempo em vão
comigo não, meu tempo é dimensão
como altura, largura e profundidade
de maneira exata meço a idade
esqueço os números e vivo na eternidade

digo amém pro que vem
e faço por merecer
minha vida, meu tempo
nunca hei de perder.

sábado, novembro 28, 2015

O LIVRO DA VEZ É Livro de Mágoas, de Florbela Espanca

Livro de Mágoas foi o primeiro livro que Florbela Espanca publicou, ótimo para conhecer o estilo da poetisa. Contém sonetos sobre mágoas, não explica de onde ou porquê elas vêm, apenas registra a tristesa de uma jovem de 23 anos que se acha velha. Ela não sofre pelo mundo, sofre por si mesma. Você não encontra um retrato do país ou do tempo em que ela viveu, as poesias registram apenas os sentimentos que ela teve. Devido a esse enfoque íntimo de suas poesias, as Mágoas de Florbela Espanca sobrevivem ao tempo e inspiram muitas pessoas.

sábado, novembro 21, 2015

O LIVRO DA VEZ É Mundo de Tinta, de Cornelia Funke

Pequeno livro de contos para ler depois da trilogia (Coração de Tinta, Sangue de Tinta, Morte de Tinta). Dois contos mostram o que aconteceu com os personagens após a última história, um conto explica a origem da trama: como surgiram os línguas encantadas. Um convite para cada imaginar como continua a vida dos personagens. Início de um novo livro ou apenas histórias que ficaram fora do último para que ele não tivesse um final tão aberto? No fundo são contos que podem estimular fanfics.
No prefácio a autora conta que a intenção inicial era escrever apenas UM livro, não uma série. Acabou por escrever três livros e três contos. Segundo ela o universo de A Maldição da Pedra, que narra a história de Reckless, é parecido - uma boa pedida para quem gostou de seu estilo.

sábado, novembro 14, 2015

O LIVRO DA VEZ É Morte de Tinta, de Cornelia Funke

Coração, sangue, morte. A trilogia do Mundo de Tinta se fecha. Como o título sugere, o livro traz a morte - e ela até se transforma em personagem. O final é certeiro para todos mas para chegar nele não há caminhos previsíveis, a história sai do controle de quem tenta dominá-la. Os planos iniciais de Farid fracassam, as palavras de Fenoglio demoram para se concretizar e mais uma vez não acontecem como o esperado, assim como os planos de Orfeu para reencontrar Dedo Empoeirado e os planos de Mortimer para matar Cabeça de Víbora. Morte de Tinta retrata a vingança dos personagens secundários: são eles que colocam a história nos eixos e tecem o tão esperado final feliz.

sábado, outubro 24, 2015

O LIVRO DA VEZ É Crime e Castigo, de Fedor Dostoiévski

Um livro bom para conhecer um pouco da sociedade Russa. Um drama, não uma aventura. Mostra como a solidão pode enlouquecer.
O personagem principal comete um crime e ninguém desconfia até que ele comece a se delatar. O crime não ocorre da forma que ele planeja e isso o perturba, faz com que não aproveite os frutos do ato. Culto, orgulhoso e impaciente, sua generosidade e solicitude o levam a conhecer e se apaixonar por uma desventurada mulher tão miserável quanto ele. A afeição entre eles é decisiva para que Rodion Românovitch Raskólnikov entregue-se a polícia e comece a ser menos orgulhoso.
A história conta como ele se preparou para o crime, todas as justificativas que arrumou para motiva-lo, como depois do crime suspeitou que poderiam desconfiar dele e percebeu que na verdade possuía um grupo de admiradores pelos poucos artigos que escreveu. Pobre estudante de direito, ele zela por sua família e ajuda os mais necessitados, ninguém desconfia até ele voltar à cena do crime e fazer perguntas sobre detalhes. Para quem almejava grandes feitos, se achava acima da média do povo, uma angústia o consome até o final do livro - quando começa a mudar de atitude.

sábado, outubro 17, 2015

O LIVRO DA VEZ É Sangue de Tinta, de Cornelia Funke

O livro começa com Dedo Empoeirado voltando para sua história, seu bom e velho mundo dentro de Coração de Tinta, o livro escrito por Fenoglio. Farid, seu fiel escudeiro, consegue entrar no livro com Meggie, que quer visitar a história como quem tira férias. Quinze minutos após entrar na terra de Dedo Empoeirado, ela descobre que voltar não será nada fácil. Mortola e Basta também voltam para o livro junto com Mortimer e Resa, eis o início da aventura.
Sangue de Tinta, o segundo livro da série Mundo de Tinta, descortina o encantado universo do livro de fantasia que Fenoglio escreveu: elfos de fogo, fadas azuis, os perigos da floresta, saltimbancos, homens de vidro, castelos e reinos. O leitor não segue apenas um persongem, segue o grupo cativante com o qual já está familiarizado. Descobre o passado de Dedo Empoeirado enquanto Meggie tenta reencontrar e salvar os pais.
Na falta de um casal, o livro apresenta três: Mortimer e Resa, Dedo Empoeirado e Roxane - a esposa que deixou quando saiu do livro em que vivia, Farid e Meggie. Mesmo com tantos casais a história tem pouco espaço para romances, o que impera é a aventura: a dúvida se Meggie encontrará e salvará seus pais, depois voltará para casa como planejou no início. Isso é um ponto a favor das crianças que querem ação, não doces e envolventes amores como os que recheiam livros infanto-juvenis. Assim como o primeiro livro da série, Sangue de Tinta é feito para a primeira e desbravadora infância: aquela que busca descobrir o mundo, não os sentimentos. Sim, o amor desponta em várias formas e move os personagens, mas o foco ainda é o fantástico mundo ao redor e como sobreviver nele.
O primeiro livro da trilogia, Coração de Tinta, terminou com final feliz apesar de tantas desventuras. Com essa experiência, Sangue de Tinta faz o leitor torcer até o último momento por um final igualmente feliz. O final um tanto desagradável mas tão arrebatador quanto o início é o gancho proposital para o terceiro e último livro da série: Morte de Tinta.

domingo, outubro 04, 2015

MAC

São três letras, às vezes duas
entram na cabeça com o mesmo som que se mastiga
MAC
comida rápida e importada
se esfriar fica estragada
sabores milimetricamente elaborados
sintetizados e industrializados
nessa jogada entra até salada
mas o filão é hambúrguer e pão
batata, que gostosura, pura fritura
quanto maior melhor
come, se empanturra
que a vida é um sopro, a vida não dura
o que importa é o agora, o sabor da hora

São três letras, às vezes duas
entram na cabeça ao som de uma peça quebrada
MAC
uma maçã importada
branca ou prateada
dificilmente fica bichada
fruto exclusivo, especial
de plástico, vidro e metal
em máquinas de falar, escutar, acessar
gráficos e linhas curvas para se comunicar
ferramentas para desenhar o que você imaginar
mesmo que por si só você mal consiga se expressar
sem que precise o sistema instalar
use seja ouça diga tenha more gaste viva

São três letras, às vezes duas
entram na cabeça ao som de um beijo estalado
MAC
pintura importada
para colorir sua cara deslavada
se o produto é bom nem te falo
o certo é que é tudo caro
alta qualidade na avenida mais famosa da cidade
fama, grana, glamour
dá vontade de ir na loja fazer um tour
entrar descolada, provar tudo e levar nada
cosmético, maquiagem, arte
beleza por toda parte
apelo visual num mundo cada vez mais virtual
imagem não é nada?
que nada!


São três letras, às vezes duas
grudam na cabeça como chiclete
MAC
arte contemporânea num prédio de Niemeyer
arte viva, mal catalogada
num museu pode ser divulgada
em nove exposições de uma vez
a arte espera a sua vez
de ser mais atraente que o parque vizinho
mais marcante que um rosto bonitinho
mais útil que um computador
e ser saboreada com amor
sem pressa e sem frescura
sem caloria e sem gordura
num mundo imediatista e momentâneo
que se esperar demais deixa de ser contemporâneo.

sábado, setembro 05, 2015

A morte parou na esquina

Madrugada de fim de semana
hora de escutar a morte passar
pa pa pa
a assassina pára na esquina
Vitor, sai da janela
pela veneziana espreita ela
nada consegue ver
difícil saber a sina
precisa amanhecer pra saber
a morte parou na esquina

dois carros baleados, um era da polícia
dois corpos levados, nenhum será notícia
domingo é dia de chorar
ver a morte passar
segunda é dia de trabalhar
dia de se vingar

para cada morto chorado um ônibus queimado
o episódio incendiário aparece no noticiário
nessa retaliação muitos ficam sem condução
esperam ônibus lotado ou vão a pé até a estação

a morte parou na esquina, os mortos eu nunca vi
a morte parou na esquina na noite em que não saí
para ensinar a população que se bandido morrer alguém tem que sofrer
o crime ganha fama no noticiário e deixa vizinhos com cara de otário.

sábado, agosto 22, 2015

O livro da vez é In.Fer.N.O., de Paulo D'Auria


Devo ter passado duas semanas com Paulo D'Auria. Ele me acompanhou no metrô, nas salas de espera, no jardim onde tomo sol durante o almoço. Ele me contou como é o Instituto Ferramentacional Novo Origma, levei duas semanas para conhecer o local. Paulo não fala muito, quem conta, quem viveu mesmo a coisa, foi um jornalista chamado Lopes.
O nome completo do lugar só é mencionado uma vez, na capa. Dentro sempre é reconhecido como sua abreviação: Inferno. Lopes escreveu num caderninho tudo que encontrou por lá, Paulo apenas recebeu o material e encapou. Por que um jornalista iria para o inferno? Por um furo de reportagem, claro, é isso que move todo jornalista.
Lopes investigava o desaparecimento de menores de dentro das instituições que aplicam medidas socioeducativas. Essa investigação o levou até o Pará. Alguém sabe o que se passa, sabe a história do Pará? Parece que para conhecê-lo é preciso nascer lá. Foi onde o governador Simplício Amazonense criou o Instituto com o intuito de reunir em um só lugar todos os menores infratores.
Inferno é cheio de crianças e seres encantados – todos da pior espécie. O inferno seria maior se o autor parasse para descrever melhor os muitos seres mitológicos que vivem nele. Mas qual mente insana quer parar no inferno? Definitivamente não é lugar de passear. Mas é um lugar cheio de boas ideias, como diz o ditado, e a boa ideia que impera no inferno é correção através de punição. Muitas vezes a correção é esquecida e o lema mesmo fica punição por diversão.
Na jornada dantesca em que Lopes é guiado por Vladimir Herzog, planta-se a dúvida: é castigando que se educa? Os sistemas de reabilitação social realmente reabilitam?
Enquanto isso, no mundo real, querem reduzir a maioridade penal.

domingo, agosto 02, 2015

Clube da arritmia

Antes da tempestade a calmaria
faz menos de um minuto era tudo alegria
tudo traçado e planejado naquele domingão
ia pra aula de violão
eu e meu paizão
então meu coração quis mudar a direção

a visão embaça, pode ser pressão
eu e meu pai sentados no chão
passei mal em frente a um bar
cheiro de fritura a incomodar
melhorei um pouco pra sair do lugar
conseguimos no nosso destino chegar

esse destino não!
hoje chega de violão!
berra meu coração
agitado, calmo, não sabe como ficar
cansado do mesmo ritmo, ele resolve variar
só no pronto socorro é possível consertar

ele enlouqueceu, não pode se conter
experimenta muitas formas de bater
esperando ele se acalmar
sinto tontura ao caminhar
soro e Dramin colocam tudo no lugar

depois de três horas a banda passa
meu coração então bate sem graça
preparando nova farra ano que vem
que se depender de mim não tem

voltei ao cardiologista do ano passado
ele constatou: tem algo errado
não deveria ter voltado
e por medida cautelar
sem café vou ficar
mas meu dia não começa mais com tédio
começa com remédio

o laboratório mais uma vez examina meu sangue
pra tentar fazer com que meu coração não se zangue
antes da tempestade a calmaria
faz menos de um dia era tudo alegria
a contragosto, antes de agosto, mais um se associa
no vibrante clube da arritmia.

segunda-feira, julho 27, 2015

Cantando pro jardim

A noite cobre a relva
lua e estrelas na selva
de pedra, sem agrado
asfalto e concreto armado
vive o concreto amado
num lugar sem festim
em frente a casa, um jardim

astros e postes a iluminar
uma criança a cantar
Nessa vida passageira
eu sou eu você é você
isso é o que mais me agrada
isso é o que me faz dizer
que vejo flores em você

o jardim escuta tudo
mudo
Eu sou uma borboleta
pequenina e feiticeira
ando no meio das flores procurando quem me queira

rosas e cebolinhas a escutar
Mandei plantar
folhas de sonhos no jardim do solar
mas as pessoas da sala de jantar
são ocupadas em nascer
e morrer

As flores tem cheiro de morte
a dor vai fechar esses cortes
flores
flores
as flores de plástico
não morrem

No silêncio uma catedral
um templo em mim
onde eu possa ser imortal
cantando pro jardim.

sábado, fevereiro 28, 2015

Tatuagem de hena

Tatuagem provisória
some com o tempo
meu corpo também é provisório
será pó em algum tempo

não quero este corpo
quero outro, menor
depois de esculpir meu corpo
uma tatuagem melhor

além do desenho um conceito
desenho por desenho não aceito
não pretendo me machucar
se a intenção for só enfeitar

mas até chegar onde quero estar
uma imagem pode ilustrar
uma ideia com a qual se acostumar
que ainda pode se transformar

uma marca temporária para uma vida errante
uma marca permanente para uma certeza gritante
troco a dor pela pena
o eterno pelo dilema
o desenho sai, é hena.