domingo, outubro 06, 2019

“A cor do meu batuque tem o toque e tem o som da minha voz

Vermelho, vermelhaço, vermelhusco, vermelhante, vermelhão...”

São Paulo, 10 de junho de 2019

Preciso registrar várias mudanças após a última carta. A empresa onde trabalho fez uma entrevista comigo sobre o Caminho da Prece, que foi publicada no informativo semanal interno e pude mostrar a minhas amigas já em nosso último encontro. O acesso ao meu blog através dos computadores da empresa foi desbloqueado, todos podem ler as abobrinhas que publico. Na data de publicação da reportagem, três das quatro últimas abobrinhas eram o diário de viagem do Caminho da Prece.
O almoço foi produtivo. Depois dele nosso roteiro mudou para 17 dias de viagem, embora Silvana continue com seus inalterados 14 dias. Ela encontrará comigo e Luzia em Crisólia. Segundo a quilometragem do roteiro do ramal de Águas da Prata, caminharemos em média 22,2 Km por dia. Um roteiro menos exaustivo, mais humano. Apenas eu e Luzia encararemos 30 Km bem no primeiro dia de viagem. Tranquilizei Luzia dizendo que no primeiro dia estamos descansadas, podemos começar tranquilamente por qualquer quilometragem e relevo.
Esse fim de semana terminou minha primeira experiência com absorventes de pano. Comprei de uma artesã através de um aplicativo especializado em produtos artesanais. O anúncio era de cinco absorventes e uma bolsinha impermeável, porém vieram seis: três diurnos e três noturnos para fluxo moderado. Sem bolsinha. Não reclamei, já possuía a necessaire plástica onde guardo os absorventes usados, ganhei há anos uma pequena.
Fechados, limpos e juntos, os absorventes de pano ocupam espaço de um pacote normal dos descartáveis com oito unidades. O volume na mochila diminuiu: a princípio levaria um pacote com trinta e dois descartáveis por precaução. Nunca calculei quantos absorventes uso por ciclo, deve ficar na ordem dos 16. Para o ilustre leitor ter noção do quanto andava desligada, até o início do ano sequer registrava meu ciclo menstrual, mal reparava em sintomas físicos e psicológicos.
Poderia ir ao ginecologista e pedir remédio para não menstruar durante a viagem, afinal ela está muito bem programada. Entretanto meu corpo já sofrerá com as intempéries do percurso; obrigá-lo a reagir a alterações internas me parece cruel, temo sobrecarregá-lo em troca desse prometido conforto de não sangrar. Em relação aos homens, mulheres têm mais preocupações, precisam de mais cuidados porque todo mês sentem as mudanças do corpo. Menstruar faz parte do meu lado feminino; em vez de lamentá-lo ou evitá-lo prefiro aceitá-lo e conviver com essa realidade. Não faz sentido temer ou evitar minha natureza interna se quero conhecer a natureza de outros ambientes.
Sobre minha primeira experiência com absorventes de pano:
Microfibra é muito mais macia e confortável do que a pretensa cobertura de algodão dos absorventes descartáveis. Não tenho nojo de sangue, coágulos, tenho nojo de vísceras. No primeiro dia deixei de molho num saquinho zipe-lock junto com um pequeno sabonete enquanto tomava banho; depois do banho lavei com o sabonetinho e deixei secar no banheiro. O tempo estava frio e chuvoso, mas, mesmo assim, na manhã seguinte, a parte interna estava seca; só a parte externa, feita de tecido impermeável, estava úmida. Já de cara considerei aprovadíssimo para viagem.
No segundo dia usei três absorventes e dois vazaram porque passei muito tempo com eles. No terceiro dia aprendi como lavar melhor: a questão não é o sabão, mas escorrer todo o sangue e só depois usar sabonete para tirar manchas. Já não colocava sabonete no molho; percebi que não servia para nada, só deixava o sabonete mole e dificultava a lavagem.
Esse primeiro ciclo com absorvente de pano durou dois dias a menos do que os ciclos normais. Nas minhas pesquisas descobri que absorventes descartáveis contêm substâncias para atrair o fluxo menstrual, deve ser esse o motivo de passar menos dias sangrando.
A experiência de passar um dia inteiro com um absorvente, mal sujá-lo e mesmo assim não ficar com a pele irritada é libertadora. O que esse produto não tem de prático tem de confortável: é confortável a pele não ficar irritada, é confortável ajustar a posição na calcinha sem deformar o produto, é confortável sangrar por menos tempo, é confortável reservar pouco espaço para os absorventes na gaveta e na mala, é confortável não comprá-los todo mês. Não descartar absorvente no banheiro do trabalho deixa o período mais discreto: se não alardeasse alegremente sobre meu primeiro uso, poucas reparariam no meu momento pelo lixo que gero.
O que não é prático, mas tolerável frente aos benefícios: deixar de molho e lavar todo dia; lavar e secar tudo, junto com outras roupas, no fim do período, para guardar perfumado e bem seco.
Resumindo: os absorventes de pano ganharam espaço na mochila, com três saquinhos zipe-lock extras para o molho e para separar os sujos dos limpos.

Meu coração é vermelho,
hei, hei, hei
de vermelho vive o coração,
ê, ô, ê, ô
Tudo é garantido após a rosa vermelhar
Tudo é garantido após o sol vermelhecer”
Meu Coração é Vermelho, Francisco Ferreira da Silva / Daniela Perez

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