domingo, março 15, 2009

Atendendo ao pedido de Marília, escrevo

SOBRE MINHA INFÂNCIA
Parte I – Da família até o Pré

Essa parte triste da vida da Colombina. Que não aceitava a máscara de palhaça, não gostava de ser chamada de doida nem ser feita de boba, que se importava muito com o que cada um pensava sobre ela. – Acredite, já fui normal.

Uma criança tímida e normal. Se os astrólogos aceitarem que um nativo de leão pode ser tímido. Também há a astrologia chinesa, na qual assumo o signo de javali, o porquinho vaidoso desde criança. Que detestava ganhar roupa e precisava de ordem para usar batom quando fosse visitar alguém. Fora essas contrariedades astrológicas, poderia ser considerada uma criança perfeitamente normal.

Voltando pro começo da história: não fui desejada, fui aceita. Há vidas humanas que não são aceitas, são abortadas em benefício de vidas adultas já existentes. Sem contar os pessimistas que acreditam que o mundo só tende a piorar, não havendo perspectivas de melhora - nesse caso menos uma vida humana no planeta evita o sofrimento mundial. Quando criança não imaginava a existência de tais possibilidades, de modo que me entristecia saber que fui aceita.

Meus pais não planejavam mais uma criança, meu irmão tinha cerca de um ano quando o ato criativo aconteceu. Eles me aceitaram, prepararam tudo com ajuda das famílias, porque Deus queria mais um humano no planeta. Um que fosse criado entre aquelas pessoas.

Aquelas pessoas que me criaram foram meus pais, meus avôs, meu irmão mais velho (exato, ele também me educou), e os três irmãos mais novos da minha mãe. Eram essas pessoas que viviam comigo. Tinha também o cachorro Popi. Como vizinhos: meus tios-avôs, bisavôs, e a família dos zeladores do estacionamento ao lado. Havia um casal de irmãos, com o qual raramente eu e meu irmão brincávamos. Minha vó não nos levava para brincar em lugar algum, também não pedíamos. A família mudou, encontrei Fabiana, uma menina que só recordo nome, olhos puxados, cabelo liso e pele morena. Minha vó me passava pelo muro para que brincássemos algumas vezes.

Geralmente brincava sozinha. Levava bronca por depenar samambaias para brincar de comidinha. Juntava com meu irmão para matar lesma, tentar matar caramujo, matar formiga, brincar com tatu-bola, jogar qualquer jogo e brigar – isso inclui gritar e chorar para vó, que nunca batia em ninguém.

Adorava assistir televisão. O Xou da Xuxa começou quando eu tinha três anos. O castigo costumeiro que recebia por xeretar nas coisas de minhas tias mais novas era ficar sentada em frente a televisão apagada. O pior era escutar os sermões, dos quais não lembro nada, só o fato de que era ruim escuta-los.

Coleção de broncas: por estragar as plantas (minha tia-avó na verdade só ralhava comigo), por riscar a mesa da cozinha com tesoura de ponta (dessas de cortar unha), por rabiscar com canetinha as portas dos armários, por rabiscar cadernos em branco, por mexer nas coisas da minha tia mais nova, por imitar uma de minhas tias no telefone com o meu de brinquedo enquanto ela falava.

Nem sempre as broncas vinham acompanhadas de castigo. Foi assim que aprendi a respeitar o espaço alheio. Acho que levava bronca para aprender isso... melhor que fosse esse o motivo.

A televisão dos anos oitenta pensava que criança só existia de manhã. Os programas infantis tinham brincadeiras explorando a eterna rivalidade entre meninos e meninas, desenhos – tinha medo de “Caverna do Dragão” mas vivia assistindo, e cantores chatos. Não lembro o horário de “Cozinha Maravilhosa da Ofélia”, lembro que minha vó assistia de vez em quando. Os piores filmes que a televisão mostrava eram de terror, davam muito medo. “Fredi Gruguer”, “A Coisa”, “Casa do Espanto”, “Casa de Cera”, um com mortos vivos... só meu irmão assistia. Pior do que filmes de terror somente o chatíssimo “A Lagoa Azul” – achava romântico e demorado. Outro que não gostei foi “Guerra nas Estrelas”, onde tudo que enxergava era política. Queria aventura! Queria humor! Meus desejos eram atendidos nas férias escolares, quando passavam filmes dos trapalhões e da Xuxa. Perto do natal a programação de filmes também melhorava. Filmes sobre Papai Noel e o clássico “Esqueceram de Mim”. “A Lenda” e “Labirinto” eram filmes que davam medo, mas também eram aventuras fantásticas e lindas. O que me pegou de jeito foi “Labirinto”, com David Bowie. Assisti só uma vez e não tirei da cabeça – tanto que vinte anos depois comprei o DVD.

“Fantástico” e “Os Trapalhões” eram programas para assistir na sala comendo bife à milanesa com purê. Domingo era dia de acordar cedo e assistir “Magaiver”, “Viki” e “Alf”. A primeira novela que soube que existia chamava-se “Que rei sou eu?”, tudo que lembro da trama é o bruxo Ravengar e um personagem do ator Edson Celulari. Os jornais falavam sobre o dragão da inflação, por isso achava que minha família era pobre (o país inteiro era pobre) e pensava mil vezes antes de pedir Barbie ou disco da Xuxa. Barbies eram caras, a casa delas mais ainda. Nunca perguntei o preço, só achava que tais brinquedos eram caros.

O primeiro disco que pedi foi do Raul Seixas, com 10 anos. Dois anos depois, pedi “Luz no meu caminho”, um dos discos mais desconhecidos de Xuxa, na época o último que havia saído. Precisei assistir um show gratuito das Paquitas aos 13 anos para perceber o quão idiota era aquele bando de macaquinhos pulando no palco, cantando músicas que sequer tinham capacidade de compor. Das músicas quero as letras, o compositor tem grande valor, é praticamente o primeiro criador. Mesmo que a voz dele não combine com a música, que é o caso de John do Pato Fu, e ele não cante, admiro bastante os compositores. Raul Seixas não só cantava como compunha as próprias músicas, que dificilmente eram românticas ou bobas demais como as da turma da Xuxa.

Falando em música, Lula merecia ganhar a primeira eleição para presidente por causa da musiquinha e porque era um barbudo simpático – não um engomadinho feito o Collor. Além das eleições e da inflação, os jornais mostravam guerras; e meus pais tinham um comentarista especial: o Repórter Caroço. Era minha mão comentando no carro as notícias do dia, enquanto meus pais nos levavam para a casa da vó. Ele falava de notícias nacionais e internacionais, visitava a sogra na Lua, e um ano antes de meu irmão mais novo nascer ele foi para a Legião Estrangeira. Nunca mais houveram notícias do Repórter Caroço.

Não conseguia acreditar em Papai Noel com Jesus nascendo ao mesmo tempo. Papai Noel nunca deu presente pra Jesus, só os Reis Magos fizeram isso. De fato nunca pensei no motivo de Jesus não ganhar presente do Papai Noel, não lembro a lógica infantil que me impedia de acreditar nos dois ao mesmo tempo, sei apenas que não acreditava.

Com quatro anos conheci meu primo de terceiro grau, Jaiminho. Nisso eu já estava na escola, sem nenhum amigo. Na minha cabeça, ia para o Jardim 2 estudar, não precisava fazer amigos. Mas tinha vergonha de dizer isso, não era coisa normal. Então inventava que era amiga de Bia e Michele, que eram duas amigas mesmo, mas nunca falava com elas. Interagia na sala com os meninos, ao menos até o pré. Sempre que podia fazer alguma atividade sozinha, fazia. No parque não brincava com ninguém. Ninguém me procurava, eu também não procurava ninguém, nunca questionei.

O que mais gostava de fazer no parque era procurar pedras redondas. Também gostava de fazer bolo na areia, cavar buraco, me balançar na parte mais baixa do balanço. Quando chovia e o recreio era dentro da sala, montava ônibus espaciais que abriam a capota (Quanta tecnologia!) e brincava na maioria das vezes, quando algum menino não tomava meu brinquedo. Nesse caso eu buscava mais peças para fazer outra nave. Quando acabavam os blocos, procurava montar algo com blocos mais tradicionais, aqueles com o qual só sabíamos montar martelos e pulseiras. Nunca consegui montar naves com eles. Sem contar o fato de que quando acabavam os blocos esquisitos e feios que usava, quase não restavam blocos do outro tipo. Meninas adoravam os bloquinhos normais para brincar de comidinha. Mesmo assim, procurava os restos para montar qualquer coisa.

Resto, sempre mexendo com o abundante resto, a sobra, o que ninguém usava, ninguém queria. Nessas coisas sempre pude mexer sem culpa. Aos quatro anos uma de minhas tias ensinou-me fazer crochê, comecei a fazer bicos em panos de prato e até seguir receitas para toalhinhas. Por conta disso, brigava menos com meu irmão. Passei a criar roupinhas com restos de linha – quando davam os restos, porque sempre devolvia o novelo depois de usa-lo. Estranhei quando a mesma tia deu-me um novelo inteirinho da cor marrom, soube que era meu somente depois de entregar diversos trabalhos. Era marrom claro, um beje da vida. Cor horrível para roupas de boneca, aceitei sem reclamar. Estava com cerca de 10 anos. Fiz um macacão para uma bonequinha e usei a linha sem medo em diversas brincadeiras. A roupinha foi admirada e destruída tempos depois. Sempre estragava os brinquedos que mais usava.

Meus brinquedos eram tranqueiras, segundo minhas tias. O tom com que falavam “tranqueira” nunca pareceu bom, mas viviam se referindo a eles como tal. Se me recordo bem, chamavam minhas coisas de brinquedo apenas no dia em que ganhava, depois viraram um monte de tranqueira atrás da porta da sala. Tal tratamento nunca me incomodou.

O que me incomodou quando tinha treze anos e vivi de fato aos seis, foi a escolha de noivinhas para o casamento do meu tio, que era mais velho do que minhas tias. Escolheram minhas primas Mariana e Gabriela. Lembro que quando as roupas de noivinhas chegaram pediram para que eu vestisse uma das luvas, mas não quis vestir. As roupas não eram pra mim, por que vestiria? Dias depois disseram que não haviam me escolhido para ser noivinha porque era muito alta. Ocorre que não tinha perguntado nada, não possuía a menor inveja, jamais quis ser noivinha. Aos treze veio a adolescência, e num dia em que olhavam fotos antigas revelaram que me achavam feia quando criança. Eis o porquê de minhas primas serem noivinhas de casamento dos cinco aos doze anos. Decidi que quando casar, criança nenhuma desfila até o altar.

Inconscientemente sabia o que ocorria. Sempre me identifiquei com a história do Patinho Feio, adorava ouvi-la no disco. Mais do que a história da Dona Baratinha, que era a primeira. Patinho Feio era a segunda, não lembro se do lado A ou B.

Minhas primas têm cabelo liso. Sempre foram magras, sempre gostaram de roupa, sempre gostaram de dançar. Minha vó e minhas duas tias viviam elogiando as meninas. Se elas eram “As Meninas”, o que eu era? Não importa. O dia em que resolvi me importar foi dramático.

Entre meu quarto e sexto aniversário, de alguma forma concluí que “Ninguém gosta de mim!”. Atravessei uma perna para dentro do poço aberto e gritei aos quatro ventos “Ninguém gosta de mim!!”. A segunda vez que fiz isso não lembro, lembro apenas que a cena ocorreu mais de uma vez na minha infância. Nunca tive coragem de pular, não lembro como ou porquê saía de lá. Lembro de depois dessas cenas meus pais me diziam que as críticas que recebia era porque as pessoas gostavam e se importavam comigo, caso contrário não criticariam, não apontariam meus defeitos a serem corrigidos. Gostar também é apontar defeito. Aprendi direitinho: só consigo achar defeito no que gosto, o que não gosto não prende minha atenção para enxergar defeito.

Decorava músicas da Xuxa e cantava só para poder ouvir. Quando me empolgava cantava alto. Sempre que me empolgava com alguma brincadeira solitária acabava falando alto. Brincava de ser apresentadora de programa infantil, meu nome era Cultura. Mal assistia o canal dois, não sabia que ele levava esse nome, se soubesse inventaria outro nome de apresentadora. Brinquedos como platéia? Não precisa! No máximo uma escova como microfone no quintal. Era época pré-escolar, quando raramente brincava com vizinhos ou duas netas de um amigo de meu vô vinham nos visitar. Chamavam-se Juliana e Jaqueline.

Quando conheci Jaiminho, meu primo de terceiro grau, passei a brincar de corrida com o carro amarelo de meu irmão e as várias motocas de Jaiminho. Quando estava em casa, meu irmão também participava. Brincávamos no quintal dos avós dele, que tinha uma rampa ótima para descer nos brinquedos. Naquele quintal também havia uma mesa de sinuca, onde montávamos escorregadores para as bolas. Nunca tentamos jogar sinuca de verdade. Os tacos viravam espadas algumas vezes, e lembro que já foram microfones. Uma vez aquela garagem enorme recebeu um balanço... mas não durou muito. O principal daquele quintal era a corrida de carros.

Aos cinco anos inventei uma fada chamada Legrina para brincar. Não era amiga invisível, nunca tive isso, era meu personagem. Igual a apresentadora de programa infantil. Não que soubesse o conceito de personagem, brincava apenas de ser a fada. Legrina, fada da alegria, com o passar do tempo transformou-se na principal fadinha guerreira que inventei. Foram nove fadinhas, nenhum inimigo específico, nove fadinhas desenhadas no papel, um diário nunca terminado e um resumão de quem elas foram no meu último caderno.

Minhas Barbies dificilmente iam a festas: aventuravam-se na floresta do quintal da minha vó. Porém Barbies eram sempre muito delicadas, viviam pedindo socorro. Quem as socorria era Xura, a rainha dos vulcões, filha da Mãe Natureza. Tratava-se de uma Xuxinha Ciclista que tinha trapos de cachorro como roupa. Ela nadava no lago do tanque, sofria torturas pendurada no varal, não se apaixonava, dominava o fogo, resistia a lava vulcânica. Parei de brincar com ela quando a perdi.

Anos mais tarde, numa brincadeira de compasso feita na escola, o nome da minha boneca preferida apareceu como o espírito do jogo. Perguntaram se o espírito era bom, a resposta: Talvez. Sabia que responderia isso. Não tive medo de receber o espírito de uma boneca na brincadeira do compasso, ao contrário: quis saber onde ela estava, queria encontrar novamente meu brinquedo. Porém o espírito não respondeu mais nada, só disse o nome, que talvez fosse bom, e que gostaria de sair da brincadeira. Até então nunca havia falado desse meu brinquedo para meus amigos. Eles estranharam – espírito de boneca? O assunto morreu ali. Invocamos o próximo espírito.

Além das Barbies, brincava com meus ursinhos no fim de semana – quando ia para casa em Taboão da Serra. Eles formavam uma caravana e iam não sei para onde, sei que desciam a escada do sobrado. Minha mãe tinha muitos perfumes, que dificilmente acabavam. Acreditava que isso acontecia porque ela não usava, então fazia comidinha com os perfumes dela.

Quando ganhei um estojo de maquiagem velho de minhas tias, passei alguns dias pintando-me horrivelmente. A intenção era realmente ficar feia, pois as bonitinhas da família sempre foram minhas primas. Era divertido lambrecar o rosto. Porém para fazer visitas não usava nenhum batom ou perfume, não queria, não era meu estilo. Naquela época mal existia perfume para criança, mas uma tia minha (dessas que me educaram) encontrou e presenteou-me com uma colônia de maçã verde. Não lembro de passear perfumada, o vidrinho sempre pareceu-me algo raro que deveria ser preservado.

Entre as brincadeiras também jogava com meu irmão. Sempre perdia. Ele tinha dez anos quando nós ganhamos nosso primeiro vídeo-game, que só ele jogava. Era um Atari: tinha pinbol, basquete, golfe e enduro. Ele deixava eu jogar, o problema é que eu morria de medo de morrer, por isso nunca jogava. Precisou inventarem Dance Dance Revolution para Playstation 2, com tapetinho de dança, para só então não me importar em perder. Do Atari até o Playstation 2 assisti passar pela sala o Megadrive e o Super Nintendo. Gostava de ver meus irmãos jogando, até hoje gosto, sou capaz de ficar horas assistindo.

Haviam alguns finais de semana em que visitávamos meus tios irmãos de meu pai. O legal era visitar tio Chico e tia Tânia, pais da Vanessa e do Fabiano. Só perto da casa deles tinha geladinho e pirulicóptero. Lá na zona Leste a gente brincava de Mãe da Rua com os vizinhos e primos deles, esconde-esconde, pega-pega e até polícia e ladrão na casa em construção. Lá escutava o terceiro disco da Xuxa, que Vanessa dançava com as vizinhas. Eu não dançava, não tinha jeito pra isso, não gostava de dançar.

Meu outro tio por parte de pai é Tarcísio, mas os filhos dele sempre foram muito mais velhos que eu. Alexandre, Cristian, Acássia, Mark e tempos depois nasceu Nicolas. Os três primeiros eram muito mais velhos do que nós, porém lá havia um MasterSistem, autorama, comandos em ação... coisas de menina eram poucas, porque Acássia nunca foi muito cuidadosa com os brinquedos e adorava fazer molecagens com os irmãos – eu também era assim. Brincar com os meninos era mesmo muito legal, brigar nem tanto porque sempre apanhava mais. Foi na casa do tio Tarcísio que prensei o dedo do meu irmão na porta sem querer, o dedo dele ficou deformado. Querendo atirei uma tesoura de costura nele, na casa da vó. Errei, minha pontaria sempre foi péssima... e toda noite rezávamos para nossos anjos da guarda, como nosso pai nos ensinava.

Nas férias dificilmente íamos para praia, onde catava conchinha e brincava na areia. Medo do mar, demorei anos para largar. Lugar de tomar raspadinha. No sítio de tia Neusa adorava dar milho para galinhas e moer café. Tentava me acostumar com animais mortos, precisava disso porque quando crescesse iria cozinhar, não podia temer bicho morto. Assistia matarem as galinhas, brincava com elas depenadas, mas quando minha tia abria a barriga de uma para tirar as tripas, não agüentava olhar por muito tempo. Gostoso mesmo era cozinhar chuchu num fogãozinho montado no quintal. Brincar de cazinha em baixo de árvore... não existiam aquelas casinhas pequenas dos buffets de hoje - buffet era coisa para casamento ou debutante - o pé de tamarindo coberto pelo chuchu era o mais próximo que havia de uma casinha. Perfeito.

Com seis anos aprendi a escrever e fiquei maravilhada. Mais do que quando aprendi fazer crochê. Numa de minhas divagações, cheguei a imaginar Deus como um autor que escrevia a história de cada um. Ele tem todo tempo para escrever a história de cada um porque pode mexer no tempo – ele criou tudo que existe. Pode escrever uma história de cada vez. Ou simplesmente inventar, nada precisa ficar registrado em folhas. Escrever livros é brincar de ser Deus. A primeira profissão que desejei foi a de escritora. Nessa época escrevi meu famoso livro: A Vaca Sem Pé. Não sobrou um único exemplar para contar história, fica tudo na memória.

Voltando para a escola, aos seis anos finalmente minhas amizades alcançavam algum progresso. Eu divertia os três meninos que sentavam na mesma mesa, fazendo palhaçada. Porém nunca passava o recreio perto deles. Lembro que no Jardim 3 tinha um amigo: Diego. Era muito branco e vez ou outra brincava comigo no parque – só não lembro de quê. Sempre achei estranho ser amiga de menino, até porque a televisão vivia explorando a rivalidade. Quando perguntavam, eu dizia que era amiga de Bia e Michele. Um dia no Pré elas me intimidaram perguntando por que eu dizia para minha mãe que era amiga delas, disse que não dizia isso.

No pré continuava sem amigos e não sentia falta – sempre fui só. Um dia resolvi engatinhar na sala do Pré, toda a sala riu e a professora me mandou passar um tempo na sala do Maternal. Fiquei morrendo de vergonha e voltei a ser calada. Depois disso fiz amizade com Daniela, com quem troquei alguns papéis de carta. Foi ela quem deu meu primeiro papel de carta. Naquele ano meus pais mandaram para a sala um bolo com cerejas, e só porque o primeiro pedaço não tinha, coloquei-o na minha mesa. Os colegas entenderam que eu não gostava de ninguém, quase ninguém aceitou o resto do bolo. As professoras ficaram tristes, sem saber o que fazer com tanta sobra de bolo, na hora não me importei. Não imaginei o que meus amigos de sala pensavam, apenas queria um pedaço sem cereja.

Quando estava no pré meu irmão mais novo nasceu. Pensei que seria mais um para me irritar, brigar comigo. Entretanto é com ele que menos brigo. Não fui uma irmã cheia de carinhos para o mais novo, do tipo grudenta. Tampouco tive inveja de perder o posto de mais nova, não encontrava vantagem alguma em ser mais nova, nem imaginava vantagem em ser mais velha. Ele nasceu e tudo que fiz foi esperar que brigasse comigo quando crescesse, me irritasse sem motivo, me xingasse, deixasse com raiva... Ele até conseguiu me irritar algumas vezes quando criança, dificilmente sozinho. Imaginei que seria super parecido com o mais velho, felizmente errei.

Depois que meu irmão nasceu o muro De Berlim caiu. Quando Repórter Caroço foi para a Legião Estrangeira, pensei justamente naquele lugar depois do muro. Muro que nunca questionei onde ficava, por que tinha sido construído, o que separava. Sabia que era um muro importante, aparecia no jornal e ninguém nunca sabia nada do que acontecia depois dele.

Infância é isso: todas atrocidades são normais, todos absurdos são possíveis, tudo é natural. Próxima parte, a segunda metade. Praticamente somente escola.

quinta-feira, março 05, 2009

DESCULPEM O TRANSTORNO

Meu sítio ficou improdutivo por quase um mês, e não foi por falta de inspiração.

Foi preguiça de verão. - Isso explica, mas não justifica. O que posso fazer é pedir desculpas pela ausência.

Gleice! Adorei selo que você me deu, mas ainda não tive tempo de fuçar na internet para coloca-lo aqui.

Preciso atualizar as fronteiras. Tem vizinho que mudou de endereço, outro trouxe Esfiha de Carne.

Estou revisando o texto gigante que Marília pediu, podando a abobrinha que mamãe pediu para ler antes de colocar aqui. Ela preocupou-se porque eu chorava enquanto escrevia. Desde então me questiono por que podemos chorar enquanto assistimos filme, mas não enquanto escrevemos. Ao revisar, choro cada vez menos - o texto transforma-se em patético. Nesse meio tempo Conrado contribuiu com a criação da abobrinha que segue.


POSITIVO E NEGATIVO

Pensamento Positivo:Tudo dará certo, tudo será resolvido, o melhor certamente acontecerá.

Pensamento negativo:Nada dará certo, nada será resolvido, o pior certamente acontecerá.

O pensamento positivo no fundo é tão bobo quanto o negativo. A diferença é que o bobo que pensa positivo não se preocupa, e espera sorrindo.