sexta-feira, outubro 28, 2005

Música imPopular Brasileira

Um banquinho e um violão, essa é a definição. Qualquer canção que caiba nesse espaço é MPB. Resolvi encarar a nata da sonoridade em que se transformou esse tipo de música. Não é muita gente que gosta, mas aquele show gratuito do Zeca Baleiro juntou cerca de duas mil pessoas no Memorial da América Latina. Divididas em duas apresentações, aquela galera foi ver o maranhense no meio do palco tocando violão e guitarra num banquinho. Diz o boato que alguns fãs acamparam na fila desde duas da tarde pra ver apresentação oito da noite. Quem chegou oito em ponto não entendeu como podia a platéia estar lotada, esperou até anunciarem apresentação extra que iniciou ás dez.

Faixa na ponte do Memorial, guia do Estado de São Paulo, jornal do metrô e até SBT chamando platéia. Lá fui por curiosidade, com cara e coragem. O bom e velho trio: eu, Deus e meu anjinho da guarda. De escudo o clássico livro de fila - desses que só leio pra esperar. Embora pra Barra Funda. Cadê o Memorial? Ah! Alí na placa! Agora é achar o teatro; será que atravesso a ponte? Na dúvida siga a multidão, procure fila e só pergunte pra que serve depois que estiver nela. Não são muitos que curtem MBP?! Sei não, depois de mim a fila perde de vista, gente até dizer chega.

Vou pra poltrona do teatro. Até lá já escutei que o palco está entre duas platéias, depois do pano de fundo tem outro tanto de cadeira que não ficou disponível pra apresentação do cantor. Começa com um blues, deve ser do disco novo, só ele cantava. No meio daquela viagem urbana que lembra "Tabacaria" de Fernando Pessoa, versos hilários: "vejo pombos no asfalto, eles voam alto, e se contentam com migalhas que sobram no chão..." Engraçado que não só eu, mas até a felicidade que apareceu na fila ás duas da tarde esteve alí pra lembrar de POMBOS! Uma fã sobe no palco e beija ele, outras gritam "lindo!" e "gostoso!" pro saco de osso que as encanta. Outros dançam ao lado de uma caixa de som. Seria melhor se fosse em espaço aberto, onde todos pudessem dançar.

O disco que tenho é ótimo, muito do que ele cantou está lá. Surpresa! "Alma Não tem Cor", do Karnak! Foi uma delícia ver todo mundo cantando. Quem mais sabia que aquilo não é composição do Zeca Baleiro? Será que está no disco novo? Não tenho disco do Karnak, queria ver show desse povo. Diz a lenda que mesmo depois de acabado, o conjunto toca uma vez por ano... quer coisa mais impopular que Karnak? Tem, sempre tem gente desconhecida buscando lugar ao sol, quem procura acha.

Quando Baleiro recebia papéis e ironizava "Que será que tão pedindo... toca Ronda? Toca Sampa?", o horário do ônibus tirou-me do show antes do fim. Gostei mesmo assim.

sexta-feira, outubro 21, 2005

SAMAMBAIA POWER

Black Power já passou por aqui na década de setenta. Com várias técnicas pra deixar seu capacete armado e enfeitado. Um jeito dos negros americanos dizerem que cansaram de seguir a moda branca que sempre os excluiu. Chegou a hora da terrinha mostrar que nem só negros moram aqui, que a miscigenação trouxe o cabelo crespo, que arma de manhã e só toma forma depois de úmido.

SAMAMBAIA POWER, a tendência natural das madeixas brasileiras. A maioria do povo brasileiro tem cabelo cacheado e escuro. Xampu colorante, creme pra pentear, mousse redutor de volume, pra quê? Os fios querem liberdade, movimento, expansão. As coisas daqui não são bonitas? O conceito de beleza será sempre ditado por estrangeiros?

Ainda tem quem queira o Brasil andando pelas próprias pernas, sem ser dominado por outro, segurar a posse Amazônia... Mas cabeça do povo, os ouvidos, mentes obedecem como cães fiéis tudo que se pensa lá fora sem questionar quase nada! Samambaia Power está aí pra afirmar a identidade brasileira, exibir o que é natural dessa gente. Cabelos livres e volumosos enfeitados com uma faixa ou diadema.


Tudo bem, esse movimento não pega. Tanto creme no mercado pra domar a juba desse povo que deixou de ser selvagem faz tempo e não quer lembrar mais disso. Fica aqui a sugestão de protesto, um grito baixinho de indignação. SAMAMBAIA POWER, mais uma abobrinha verde no meu sítio.

sexta-feira, outubro 14, 2005

O FILME DA VEZ É

Doutores da Alegria. Documentário nacional em circuito comercial. Raridade! Sabe-se lá quando uma coisa dessas vira DVD. Não espere palhaçadas em série, historinha pronta, o filme registra o projeto nu e cru. Ou melhor, de nariz e cara pintada. Vários depoimentos dos atores, que ficam irreconhecíveis sob a maquiagem... porque são muitos, não consigo gravar nomes de artistas assim, de prima.

Lembro do Dr. Zabobrim, mas não o ator que o faz. Era o baixinho no único trio do filme. Outro é Dr. Lambada, até lembro da fisionomia do cara sem pintura, mas o nome do figura! Pra variar não o reconheci em nenhuma atuação. Muita informação nova ao mesmo tempo, guardei as palhaçadas, os personagens... Todos tinham uma bolota de nariz vermelho, menos um: o fundador. Explicou que ser palhaço não é só contar piada e fazer careta. Vivem na base do improviso, o que só se consegue com uma bela elaboração e encarnação do personagem. Pra entrar num hospital e não se abalar com a tristeza de um doente terminal, não se importar em ver crianças carecas por causa da quimioterapia... de uma força sentimental horrível esse bando de palhaço que esqueceu o caminho do circo e rumou para a Besteirologia. Sim! são respeitáveis doutores besteirólogos, de jaleco branco e tudo, que visitam seus pacientes regularmente. Mas só passam da porta pra dentro se o paciente deixa. Estimulam o que ainda está bom no doente, pra que essa parte fortalecida ajude a melhorar as outras. E dá resultado.

Todos atores explicam como encaram esse curioso trabalho. O fundador do projeto achava a figura do palhaço uma coisa miudinha e sem valor, até seu primeiro dia divertindo as crianças da clínica onde seu pai estava internado. O nariz vermelho transforma os atores em pessoas que não devem ser levadas a sério, mesmo que digam o que pensam com toda sinceridade. Eles não são nada, não são de verdade, são palhaços.

Nesse desdém o mundo vem em tolerância, sem dar aos palhaços grande importância – exatamente tudo o que eles querem. Descaso, fracasso, ridículo, erro, prato cheio pro bom palhaço fazer riso. Não apontando os outros, mas a si mesmo. Num ambiente normal a regra é que as pessoas se enalteçam para que outros a reconheçam. Pois o palhaço se destrói, mostra seus defeitos - os que tem e os que inventa ter. Exagerando em tudo, tudo é novidade sempre, só existe presente.

Você sai do cinema pensando duas vezes antes de chamar alguém de palhaço.

sexta-feira, outubro 07, 2005

Pingüins em campo minado

A mídia está aí para pregar na sua cabeça que a maior arma do cidadão é o voto, o cidadão só é alguém quando vota, só provoca alguma reação no país se votar. Para os políticos de Brasília isso é a mais monstruosa verdade, que seja verdade: a maior arma do cidadão é o voto.

A raça desse país é pacífica, bondosa e obediente. Sempre prestativa, há de aceitar o que as autoridades dizem sem contestar. Os representantes da sociedade são escolhidos entre os mais aptos para comandar, decidem tudo movidos pela vontade nacional, zelam por todos e defendem principalmente os interesses dos mais fracos. Num país tão harmonioso como esse, não existe contestação mas sim cooperação.

Esse país maravilhosamente descrito chamar-se-ia Itália ou Alemanha se o regime fascista que implantaram desse certo; pois o parágrafo acima descreve algumas bases do fascismo. O que isso tem a ver com o voto brasileiro é difícil explicar, precisa primeiro revisitar a ditadura.

Na ditadura o caminho que os militares tomavam era idêntico ao da Itália. Grupos de repressão oficial e particular, controle dos meios de comunicação... por falar em meios de comunicação, a TV que mais deu certo naquele período foi a Globo, que ultimamente defende a proibição da venda de armas. Pra perceber isso basta prestar atenção no tipo de notícia que circula pelo Jornal Nacional.

Voltando sobre a ditadura, é preciso lembrar que os arquivos policiais daquela época ainda não se tornaram públicos, mesmo vinte anos após o fim. Quem discordava do governo era eliminado. Faziam coisas piores do que as que aconteceram com os prefeitos de Santo André e Campinas. Todos esses casos foram arquivados, podem não estar relacionados. Será que tem algum perigo se forem revelados? Será que o povo anda igual pingüins nos campos minados?

O referendo sobre a proibição do comércio de armas não caiu nas mãos do povo por mera questão de segurança. Fosse apenas isso, deputados e senadores votariam como a obrigatoriedade do extintor de incêndio nos carros. O Rio de Janeiro pensou assim, e já proibiu tal comércio no estado. Vê-se os resultados. Tem bandido, polícia e no fogo cruzado o louvado cidadão de bem. Tudo bem!

A questão política que se articula atrás desse referendo é implantação de outra ditadura. O presidente brasileiro andou reunindo-se com dirigentes de esquerda de outros países para discutir e apontar soluções para os problemas da América Latina – o chamado Foro de São Paulo. Um grupo extremista internacional, decidindo rumos nacionais, baseando-se no bem estar da população... de que país? De que camada social? E o povo até então crente que o Brasil não dava palpite na política dos vizinhos, não tinha a menor pretensão de mandar em ninguém.

O referendo pode virar atestado de suicídio caso vença a opção a favor da proibição. Se a maior arma do cidadão é o voto, é bom ter cuidado pra não mirar em alvo errado; ter mãos e pés atados, acabar como pingüim em campo minado.